sexta-feira, julho 28, 2006

Evolução através do conhecimento




Pablo Neruda, festejado poeta chileno, certa vez ensinou “escrever é fácil; você começa com maiúscula e termina com ponto. No meio você coloca idéias.” No dia 25 de julho se comemora o dia do escritor e no dia 26 de julho o dia da imprensa espírita. São datas que merecem comemoração, pois no decorrer da história da humanidade, as idéias foram motivo de aplausos e de avanços, mas também mote de perseguição e causa de atraso. Milhares de pessoas e suas obras sofreram pelo pensamento que produziram. Ao custo da liberdade e da paz, deixaram valioso legado que iluminou a marcha evolutiva da humanidade.
Durante cerca de sete séculos, entre 280 a.C e 416 d.C, a famosa Biblioteca de Alexandria congregou o que havia de mais belo e valioso no pensamento cultural e científico da antiguidade. Era uma luz nas trevas da ignorância. A cidade passou a ser um centro efervescente de produção intelectual e, por isso, provocou a fúria dos reacionários da época, culminando com seu fim e a destruição de muito conhecimento acumulado. Até hoje não se pode contabilizar as perdas para o enriquecimento cultural e para o conhecimento científico. Muitas obras raras e únicas se perderam e um vácuo até hoje permanece a nos instigar, não obstante a inauguração da nova Biblioteca de Alexandria em outubro de 2002.
A história da produção cultural e do conhecimento humano é marcada por episódios tristes e burlescos. Para que hoje você goze do direito de ler o que quiser, sem censura, e o direito de livre expressão e de consciência, grafados no art. 5º, inciso IV e VI c/c art. 220 e 206, inciso II, da Constituição Federal do Brasil, foi uma longa caminhada, num palco de vítimas, heróis e carrascos. O escritor britânico Salman Rushdie teve sua vida mudada por causa de um livro. Não porque lera uma obra prima, mas porque escreveu “Versos Satânicos”, que enfureceu o governo do Irã. Em represália, o Irã passou a oferecer prêmio pela sua morte. Escapou, após pressão da comunidade internacional contra o país de maioria islâmica, mas sofreu cerca de 10 anos na clandestinidade, entre esconderijos e forte esquema de segurança. Outro que escapou da morte por causa de livro foi Galileu Galilei. Ele por muito pouco não queimou por ter publicado seu trabalho mais famoso “Diálogo sobre os dois maiores sistemas do universo”, onde basicamente defendia as evidências da teoria heliocêntrica de Copérnico. O livro agitou a Santa Inquisição e Galileu foi julgado, em Roma, e condenado à prisão domiciliar e a uma retratação pública para livrar-se da fogueira. Giordano Bruno não teve a mesma sorte e ardeu por causa de seus pensamentos censurados pelo Clero. Naquela época existia o INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM, criado pela Igreja Católica por decisão do Concílio de Trento (1562/1563) -, que passou a ser uma lista de livros proibidos à leitura dos católicos. Dentre suas vítimas constou, inclusive, o Padre jesuíta Teilhard de Chardin que teve suas obras – hoje festejadas - proibidas de publicação, o que só veio a acontecer post-mortem, não sem lutas. Hoje, não mais existe o INDEX, mas recentemente a Igreja Católica voltou a apresentar restrições quanto a um livro, in casu : O Código da Vinci.
O fogo – tido desde a antiguidade como elemento purificador – muitas vezes foi usado para reprimir os pensadores que incomodavam quem não concordava e/ou detinha o poder. Em 1232, a Inquisição queimou centenas de exemplares da obra “Guia dos perplexos”, do genial médico, filósofo e rabino medieval Maimônides (Conhecido também como Rambam), o que viria a se repetir contra as obras do líder espiritual rabino Baal Shem Tov, desta vez vitimados por represália de outra facção judaica. Na mesma toada, podemos nos reportar ao dia 10 de maio de 1933, quando milhares de livros foram queimados em várias cidades alemães, no auge da perseguição aos intelectuais pelo regime nazista, naquilo que chamaram de “limpeza da literatura”. Calha a fiveleta a fala do poeta Heinrich Heine: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas.”
O Espiritismo também foi vítima de similar perseguição e fúria. Em 9 de outubro de 1861, cerca de 300 livros espíritas foram apreendidos e queimados em praça pública por ordem do Bispo, que era a autoridade eclesiástica do local e funcionava como polícia das livrarias. O episódio entrou para história como Auto-de-fé de Barcelona. Queimavam-se os livros como se pudessem tornar cinza o pensamento. Sartre, um dos mais renomados filósofos franceses, certa vez aduziu: “Viver é produzir significados, quando morrer viverei em meus livros.” Ou seja, a perseguição e o fogo não fez recuar o avanço do pensamento humano.
Uma das coisas que mais me chamou atenção na primeira vez que entrei em um Centro Espírita foi a quantidade enorme de pessoas lendo, estudando. O que mais me entusiasmava e maravilhava era ver a concentração de pessoas simples, senhores, senhoras, adultos e jovens que liam seus livros compenetrados, com um semblante sereno e o espírito absorto em divagações. Com o tempo pude constatar que essa é uma marca da doutrina espírita, o constante estímulo ao estudo. O exemplo vem de casa. Os mais renomados espíritas de todos os tempos também se devotaram ao estudo. Alan Kardec, Léon Denis, Bezerra de Menezes, Deolindo Amorin, Hernani Guimarães Andrade, Hermínio Miranda, entre tantos outros, sem citar exaustivamente a linhagem de cientistas de escol e ímpares intelectuais que enriqueceram nossas pesquisas e estudos, como Crookes, Flamarion, Vitor Hugo e Conan Dole.
Mas ninguém se engane, o movimento espírita não é elitista, tem espaço para todos. Não raro as palestras nos Centros Espíritas têm linguagem e didática bem acessível. Muitos espíritas festejados não tiveram senão a educação básica, como Chico Xavier. A doutrina apenas incentiva e, a bem da verdade, favorece muito quem gosta de ler, pesquisar e estudar. A literatura espírita tem livros deliciosos, autores cultos, pesquisas sérias. Contudo só isso não explica porque o livro espírita é fenômeno editorial. Para compreender é preciso atestar que a leitura, o estudo dos livros espíritas ajuda muito as pessoas a se melhorar, a viver vidas que não viviam. É interessante notar que muitas tradições defendem a idéia de que as palavras têm vida independente, própria, tal como os demais seres vivos e, por isso, produzem efeitos incríveis e até inesperados no mundo. Neste sentido, convém citar Brecht: “Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.”
Gandhi – carinhosamente chamado pelo poeta indiano Tagore de Mahatma (Grande Alma) – em sua autobiografia comenta que o livro “Até o Último”, de John Ruskin foi determinante na formação de seu ideário e declara “Foi-me impossível larga-lo, depois que o abri. Arrebatou-me. (...) Resolvi mudar de vida, conformando a minha nova existência às idéias expressas nessa obra”. Confesso, feliz, que tive uma experiência muito parecida quando li o livro “Depois da Morte”, a obra-prima de Léon Denis que foi um divisor de água em minha existência.
A partir da criação da imprensa por Gutemberg houve uma verdadeira revolução no mundo. A informação se massificou e hoje dobra a cada quatro anos, turbinada pela alta tecnologia que a disponibiliza desde o celular até os rincões mais insólitos do planeta. Nesse contexto a produção de conhecimento é incessante. Pululam teorias e livros para todos os gostos e de variada qualidade, sendo certo advertir, no entanto, que muitos incautos se deixam seduzir por oratórias bem montadas e textos bem escritos que escondem - por trás do jogo de palavras e argumentos -, pensamentos equivocados e já ultrapassados que ressurgem, requentados noutra roupagem, de tempos em tempos como modismos efêmeros que, não obstante isso, fazem expressivos estragos e desviam tantos da porta estreita. Aqui cabe um aparte para usar uma citação utilizada pelos discípulos de Sêneca, em suas Epistulae morales: “não importa quantos livros você tem, mas quão bons eles são.” Some-se ao adágio a recomendação bíblica prevista em I Tessalonicenses 5:21: “Examinai tudo, retende o bem”.
O Espiritismo surge como um farol a orientar, entre as densas nuvens do materialismo, as mentes e corações que singram o turbulento mar de incertezas em busca de paz e com sede de verdade. Nasceu em um século de efervescência cultural, marcado por pensadores de escol e pelo fortalecimento da ciência. No Brasil o aspecto religioso sobrepôs-se aos demais e, por isso, há mais livros que abordam a temática religiosa, do que a filosófica e científica. Nem por isso se deixou de produzir livros fantásticos especialmente sobre o aspecto científico do Espiritismo, que o digam as catedráticas obras de Hernani Guimarães Andrade e a impecável obra “Perispírito”, assinada por Zalmino Zimmermann, só para ficar em dois exemplos. Na mesma toada, vemos que pesquisadores transitaram pelo meio espírita, colheram densos subsídios, e preferiram independência, talvez para evitar preconceitos da comunidade científica, valendo citar neste sentido a pesquisadora Sônia Rinaldi, cujo trabalho incansável nas pesquisas de Transcomunicação Instrumental é louvável.
Hoje, estudar o Espiritismo exige além das obras básicas e das complementares de coleções como as de André Luiz e Emmanuel, um alargamento dos estudos para colher resultados de pesquisadores que, não sendo espíritas, confirmam em suas pesquisas algumas de nossas crenças e princípios, como Brian Weiss, Ian Stevenson, Raymond A. Moody Jr, Stanislav Grof e Fritjof Capra. São clássicos que no dizer de Borges “não é um livro que possua necessariamente esses ou aqueles méritos; é um livro que as gerações dos homens, impelidas por diversas razões, lêem com prévio fervor e misteriosa lealdade.”
Alan Kardec ensina que fé inabalável é aquela que encara a razão frente a frente em qualquer época da humanidade e vaticina na introdução ao Livro dos Espíritos “Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado.”
O ser humano, desde que atingiu tal condição no processo evolutivo, sempre foi atraído pelo conhecimento. Mesmo ao misterioso, buscou explicações e para vida algum sentido. Atravessou as eras somando conhecimentos e desenvolvendo técnicas e tecnologias. A revelação espírita vem não apenas confirmar esta tendência inata, mas esclarecer que o desenvolvimento da razão e a purificação do amor são as asas que sustentam os elevados vôos do espírito em sua ascensão rumo à perfeição. É importante atentar para o fato de que a criação não é um ato, mas um processo incessante. Deus em sua sabedoria nos proporcionou a oportunidade de crescer em razão e amor para sermos co-criadores da grande obra universal. É na escola do dia-a-dia que aprendemos a depurar os sentimentos e a sublimar a razão, não para enfeite de luxo, mas para uso útil em favor da evolução de tudo que nos rodeia. É da fusão do santo com o sábio, após longos esforços de aperfeiçoamento, que surgem os Espíritos Superiores. É da combinação do sentir e do pensar que nascem as maravilhas da humanidade. É com esta percepção que o Espiritismo nos exorta não apenas a amar, mas a desenvolver a razão, o que melhor se consegue através da leitura de grandes livros, do estudo de grandes homens. É no silêncio do recolhimento concentrado da boa leitura que se forjam os pensamentos do bem, do belo e do novo, é no berço das idéias e descobertas alheias que germinam nossas próprias percepções e crenças, nossos valores, nossa visão de mundo e novas idéias que também influenciarão outras pessoas e somarão força na revolução espiritual que, paulatinamente, vem quebrando os paradigmas newton – cartesianos que ainda embalam as ilusões materialistas.
Não é demais reprisar o que já fora dito pela espiritualidade: na raiz dos equívocos e crimes da humanidade há mais ignorância do que maldade. O filósofo e jesuíta Baltasar Gracián, em sua célebre obra “A arte da prudência” pontuou com tirocínio: “Um homem sem conhecimento é um mundo às escuras.” Noutro quadrante, poderíamos afirmar que as trevas se nutrem da ignorância que ainda turva a mente e o coração das massas. Soa, por isso, tão eloqüente a recomendação do apóstolo dos gentios, Paulo em Romanos 12:2: “E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente (...).”
Por tudo isso, ainda é muito atual a lição do mestre Léon Denis em sua obra “O problema do ser, do destino e da dor”: “É necessário escolhermos com cuidado nossas leituras, depois amadurecê-las e assimilar-lhes a quintessência. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que se leu. É um meio seguro de fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos da sabedoria e beleza que podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, e o mal o sofrimento.”
Stéphane Mallarmé assinalou com percuciência: “tudo no mundo existe para, algum dia, terminar num livro.” Posto assim, o espírita deve ter nos livros um amigo dileto, um instrumento para alavancar sua evolução e evitar, através das experiências alheias e reflexões maduras, quedas perigosas e desvios desnecessários, pois a vida é uma escola que exige, cedo ou tarde, o aprendizado imprescindível ao progresso, sob pena de se permitir que a dor ensine o que não se quis aprender pelo amor e pelo conhecimento.
Não esqueçamos, todavia, que tal como Sócrates, o maior dos filósofos, Jesus – o espírito mais evoluído que já encarnou na Terra – não escreveu qualquer livro, ensinou pela autoridade de seu testemunho, pela elevação de sua moral. Portanto, na dúvida entre a orientação letrada e a postura angelical de Jesus, siga o Cristo. Ademais, pouco adianta uma inteligência sublimar e uma cultura exuberante como meros adornos pernósticos de ostentação, se agirmos como infantes quando não como animais irracionais, já tendo conhecimento para fazer uma grande diferença.



Obs: Este artigo foi publicado na Revista Espiritismo & Ciência, de circulação nacional, em agosto de 2005.


quinta-feira, julho 20, 2006

Amigos

“É de fato uma infelicidade estender aos homens uma mão vazia e não receber nada; mas é desesperador estender uma mão cheia e não encontrar ninguém para receber.”
(Khalil Gibran)


No ano em que vi um de meus melhores amigos atravessar a fronteira da matéria, comemorar o dia do amigo tornou-se ainda mais especial. Não deixemos, pois, de homenagear aqueles que fazem nossa vida mais bela e feliz.


Esperança e lembrança.
Mais que letras repetidas
Se sucedem numa dança,
Se a primeira já não fica
A segunda te alcança,
Se a lembrança fragiliza
É que chega a esperança.
A verdadeira amizade transcende espaço-tempo.
É certeza de saber, que mesmo longe, está-se perto.
É como rio a descobrir
As incertezas do deserto.
É permitir-se a perceber
Na dura crítica o rumo certo.
É não ter o que comer
Pra ofertar de peito aberto.
É enfrentar e não temer
Porque o amigo está por perto
E se cair não se bater
Porque o amor está desperto.

quarta-feira, julho 12, 2006

Nada é por acaso?

“Saber para prever a fim de prover.”
(Augusto Comte)

Conheci no meu primeiro emprego um rapaz que me contou uma situação incrível que acontecera no dia anterior com ele. Era um espírita que tinha por clichê principal o popular “nada acontece por acaso”. Recém enamorado de uma jovem, no auge da paixão, foi conhecer a sogra. A recepção foi ótima e a relação com a mãe de sua amada teria sido perfeita, não fossem os constantes atrasos da namorada. Sempre que o rapaz chegava na casa da amada, ela – só para não perder o costume – não estava pronta. A sogra fazia sala e desde o primeiro dia ofertava ao rapaz um copázio de abacatada. Detalhe: meu colega não suportava abacatada. Mas sabe como é, o que não faz uma paixão. Ele colava o sorriso no rosto e num malabarismo facial tentava não demonstrar nas primeiras goladas o desconforto. Assim que a sogra pedia licença para ir apressar a filha ou fazer algo fora dali, ele jogava todo o restante da abacatada por uma janela que ficava bem atrás do sofá e que dava para um quintal esmo. Era uma atuação perfeita. Agradava a sogra, não perdia a nova namorada e não tinha de tomar a abacatada. A primeira quinzena passou tranqüila. Sogra, abacatada, janela, namorada. Sogra, abacatada, janela, namorada. Que eficiência, que destreza no lançamento do suco. Já fazia sem olhar. Certa noite, porém, tão logo a sogra sumiu no corredor, ele, lépido e seguro, virou o caneco com o mesmo bailado manual de sempre. De repente, ouvi um barulho alto e estranho. Vira-se e os olhos se arregalam perplexos. A janela estava fechada! O estrago na parede era devastador. O verde abacate espalhou-se qual tinta repicada, respingando janela, quadros, sofá, entre outras mobílias. O rapaz sequer teve tempo de recompor-se. Quando virou estava a namorada e a sogra chocadas. Adivinhe qual foi a primeira coisa que lhe veio na cabeça: _ Nada acontece por acaso! O que isso tem haver com a situação? Perguntei. Sei lá. Sempre usei essa frase para justificar o que não sabia explicar. Respondeu o ex-namorado e improvisado decorador. Anos depois quando o reencontrei, obviamente, não deixei de tocar no assunto. Desta vez, perguntei a ele qual foi a lição que ele tirou da situação. Ele sorriu e disse: nem sempre na nossa vida, as janelas estarão abertas. O cara é uma figura.
Realmente, tornou-se modismo dizer: “nada acontece por acaso.” Ô frase repetida. Para todos os males ela é receitada. Se o cachorro morreu, se o copo caiu ou se o casamento acabou, lá está ela explicando. Afinal, se nada acontece por acaso, então há destino? Os fatos tinham que acontecer assim? Os conceitos andam misturados e tem se falado demais o que cabe no de menos. Então vamos explicar melhor. Sim, não existe acaso. Mas a afirmação “nada acontece por acaso” tem sido usado com um significado distorcido, pois implicitamente está se dizendo que Deus quis e interveio para que aquilo acontecesse, independentemente de nossa ação ou omissão. É um erro. Será que Deus interfere sempre nos rumos de nossa vida? Será que existe destino? Será que cada fato de sua vida já está determinado, até arremessos de abacatada na parede alheia? Será que uma pessoa já nasce condenada a ser de um jeito? Cadê nosso livre-arbítrio? Cadê a responsabilidade por nossos atos e o valor do esforço, da dedicação, da preparação? Vamos explicar alguns aspectos.
Existem várias teorias que tentam explicar o assunto. Vamos conversar sobre as cinco principais. A casualidade; o livre-arbítrio absoluto; o fatalismo; o predestinacionismo e o determinismo. Os que defendem a casualidade, acreditam no poder do acaso, das coincidências, da força cega. Por isso, não acreditam em Deus e na lógica da vida e do universo. Os defensores do livre-arbítrio absoluto acreditam que podem tudo, que o homem é a medida de todas as coisas e o senhor autônomo de seu destino, independentemente de circunstâncias, contexto e condicionamentos. Nada deve cercear sua liberdade. O fatalismo defende que tudo está predeterminado, ou seja, acreditam no destino. Alguns já nascem para brilhar e outros para perder, sendo, de tabela, irrelevante o esforço para mudar o destino. Dentro da corrente fatalista, uma mais moderna chama atenção: são os fatalistas genéticos. Segundo eles, são os genes - nossa herança hereditária -, que definem quem somos, inclusive em relação a nossa personalidade e caráter. Segundo essa corrente filosófica, de muito pouco adianta tentar educar uma pessoa que tem herança genética para ser ignorante ou tentar reintegrar um criminoso que tem em sua herança genética a tendência delinqüente. Os predestinacionistas acreditam não apenas que uns são beneficiados com a sorte e outros com o azar. Separam a criação divina entre escolhidos e os anjos caídos. Os primeiros podem ser salvos, os segundo já nascem condenados ao inferno. Por fim, a mais sensata de todas e a abraçada pela doutrina espírita, é a teoria determinista, que – ao contrário do que se pensa – não prega o destino, mas a programação espiritual, que é resultado da lei de causa e efeito. O destino, no seu conceito clássico, atinge todos os fatos da vida. Tudo que acontece na vida estaria fixado inexoravelmente. A programação espiritual, diferentemente, restringe-se a alguns fatos. Os demais fatos são conseqüências de nossas ações e omissões. Além disso, a teoria determinista concilia-se com perspectivas psicológicas, filosóficas e históricas, pois não nega a influência do meio, do momento social, cultural, histórico e dos demais condicionamentos humanos. Por isso defende que o livre-arbítrio existe, mas não é absoluto, já que a atitude do homem pode sim ser decisiva quanto aos rumos de sua vida, mas não desconsidera os demais fatores que o influenciam no uso do livre-arbítrio. Os espíritos superiores ensinam (Questão 845, do Livro dos Espíritos) que “não há, porém, arrastamento irresistível, uma vez que se tenha a vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder.” Portanto, se um copo cai no chão não é errado você dizer: “nada acontece por acaso”, desde que você não esteja querendo insinuar que Deus deu um empurrãozinho na sua mão e foi o responsável pela queda do copo. Ele caiu porque você não o segurou como devia ou porque bateu sem querer nele ou por outros motivos que sogra nenhuma aceitaria... Como se vê não foi por acaso, a queda foi o efeito de uma causa, mas não foi Deus, foi você que o derrubou. Esse exemplo simples, serve para muitas outras tantas situações. O item 4, do capítulo V, do Evangelho Segundo o Espiritismo desmistifica o assunto: “De duas espécies são as vicissitudes da vida, ou se preferirem, promanam de duas fontes bem diferentes, que importa distinguir. Umas têm sua causa na vida presente; outras, fora desta vida. Remontando-se à origem dos males, reconhecer-se-á que muitos são conseqüência natural do caráter e do proceder dos que os suportam. Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição! Quantos se arruinaram por falta de ordem, de perseverança, pelo mau proceder, ou por não terem sabido limitar seus desejos! Quantas uniões desgraçadas, porque resultaram de um cálculo de interesse ou de vaidade e nas quais o coração não tomou parte alguma! Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidades! Quantas doenças e enfermidades decorrem da intemperança e dos excesso de todo gênero! (...) O homem, pois, em grande número de casos, é o causador de seus próprios infortúnios; mas, em vez de reconhecê-los, acha mais simples, menos humilhante para sua vaidade acusar a sorte, a Providência, a má fortuna, a má estrela, ao passo que a má estrela é apenas a sua incúria.”
De tudo quanto foi dito, fica claro que o acaso realmente não existe, mas os acontecimentos de nossa vida são, em sua maioria, resultados diretos de nosso comportamento e da combinação de vários fatores. Deus age sim em nossas vidas e muito, mas não viola nosso livre-arbítrio e também não castiga, apenas permite que recebamos a colheita de acordo com o que plantamos. É isso.
Ainda hoje fico me perguntando. Será que a senhora ainda continuou servindo abacatada para os pretendentes da filha? Terá mudado para água-de-coco para evitar maiores estragos ou só cuidou de deixar a janela aberta em tais ocasiões? Uma coisa é certa, daria tudo pra ter visto a cara do meu colega quando viu a janela fechada.

domingo, julho 02, 2006

Riqueza e fama: provas perigosas

“Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga “Isso é meu”,
Só para ficar bem claro
Quem é o dono de quem.”
(Victor Hugo, poeta e escritor francês)



Outro dia estava me preparando para uma partida de futebol. Eis que sinto uma dor insistente no pé. Tiro o sapato e a explicação: uma bolha. Fiquei todo entusiasmado, pois, coincidentemente, naquela semana Ronaldo Fenômeno apareceu nos treinamentos para Copa com uma bolha e foi o assunto da hora na imprensa do mundo todo. Ninguém jamais ouviu tantos estudos e opiniões sobre bolhas como naquela semana. Mostrei a minha bolha a um amigo e o diagnóstico dele foi insensível, quase desumano: é calo! Calo?! Que papo é esse? É bolha! Meu quase ex-amigo foi inflexível: é calo! Melhor mostrar para um irmão. Sabe como é, irmão é mais condescendente. E não é que meu irmão foi mais impiedoso em seu diagnóstico: é esporão de galo! Esporão de que? É bolha, igualzinha a do Ronaldo Fenômeno! Essa mesma não! Resistiu meu irmão. Desisti. Por que Ronaldo tem bolha e eu tenho calo ou até esporão de galo? Por que pobre tem amante e ricos têm affair? Por que famosos têm indisposição enquanto os simples mortais têm diarréia? Por que quando um cidadão normal usa combinações de roupas diferentes é brega e os famosos são descolados, fashion?
Pois bem, é esse glamour que separa os simples mortais de um pequeno punhado de seres humanos que têm de enfrentar algumas das principais provas para a evolução do espírito, quais sejam: a riqueza, a fama, a beleza e o poder. Hoje conversaremos apenas sobre a riqueza e a fama, ficam a beleza e o poder para outra oportunidade.
O Budismo ensina que o desejo está na base dos sofrimentos humanos. Quanto mais desejamos, mais sofremos. Nossa sociedade vende desejos. Basta ligar a TV e você logo fica com vontade de tomar um refrigerante, de comprar algo novo – que de regra você não necessita -, de fazer uma lipoaspiração, de ter quinze minutos de fama. Um dos mais brilhantes espíritas de todos os tempos, Léon Denis resumiu com ímpar sabedoria a lição sobre o assunto: “Uma das formas de riqueza é ter poucas necessidades.”
Epiteto, proeminente filósofo grego, certa vez mandou uma carta a um homem rico nos seguintes termos: “Eu não preciso de nenhuma dessas coisas e, afinal de contas, tu és mais pobre do que eu. Tu tens baixelas de prata, mas paladar de barro. O meu espírito é um reino para mim e proporciona-me uma ocupação prolongada e feliz, em vez de tua preguiça ociosa. As tuas propriedades parecem-te ainda pequenas, as minhas parecem-me grandes. Os teus desejos são insaciáveis, os meus estão satisfeitos.”
Não é a riqueza ou a fama que é má, que condena à perdição. Esse é um discurso equivocado. Tudo é uma questão de atitude. Elas são provas perigosas, isto sim. Perigosas porque proporcionam muitas e diversas facilidades. Dão acesso a um mundo fora da realidade da grande maioria dos mortais. Nesse mundo, pode-se muita coisa e quase tudo em relação ao que é certo e errado é relativizado para que se possa aproveitar bem a fama e a riqueza. Ou seja, sempre tem alguém para justificar comportamentos, modismos. Na prática, fama e riqueza escancaram as portas de quase tudo. Por isso a advertência bíblica: larga é a porta que conduz à perdição. Muitos que atravessam essa porta se deslumbram, ficam alienados quanto às necessidades dos outros e, não raro, levam uma vida egoísta, preocupada apenas com a satisfação de seus próprios desejos. Tornam-se indiferentes, insensíveis a tudo que não lhes traga um benefício, uma aventura, um prazer, um elogio. Muitos se deixam escravizar pela riqueza e fama, que por ela fazem qualquer coisa. Outros se deixam arrastar, hipnotizados, e tentam levar uma vida além das possibilidades financeiras. Vivem de aparências. Quantas crises, crimes, ódios, dissensões e rivalidades se dão por causa da riqueza e da fama? Mas há quem lide muito bem com efemeridade da fama e da riqueza. E não são poucos. Muitos transformam riqueza em investimento no progresso, em transformação social, na criação de empregos, no fomento de cultura, sem se perder em vãs ilusões de arrogância e superioridade. São pessoas de bem, que enfrentam a prova da riqueza e fama com temperança e galhardia, se destacando entre outras que levam uma vida vazia, focada apenas no imediatismo, sempre ansiosas pela próxima aquisição e prazer. Com a fama não é diferente, muitos lidam bem com a oportunidade de usarem sua imagem pessoal em prol de causas que vão além do solipsismo de seus egos. Einstein, Gandhi, João Paulo II e Jimmy Carter usaram sua fama para promover a paz. Dalai-Lama para espalhar compaixão. Madre Tereza de Calcultar para beneficiar seus pobres. Betinho para lutar contra fome. Nelson Mandela para por fim ao apartheid. O piloto alemão de Fórmula 1, Michael Schumacher não se furta de participar de eventos filantrópicos e de fazer grandes doações em dinheiro. Bono Vox, vocalista da maior banda de Rock do planeta, U2, viaja o mundo lutando por bandeiras humanitárias, o mesmo que faz a atriz de Hollywood, Angelina Jolie e o consagrado cineasta Steven Spielberg. Aliás, uma das cenas mais marcantes em Nova Orleans, após a catástrofe promovida pelo furacão Katrina, foi do ator de Hollywood, Sean Penn, em um barco improvisado resgatando crianças. Bill Gates, o homem mais rico do planeta, já doou e continua doando milhares de dólares a pesquisas científicas que beneficiem as populações mais pobres do planeta, notadamente na África. O rico empresário Oskar Schindler salvou cerca de 1100 judeus dos campos de concentração nazista pagando por suas vidas. No Brasil, a atriz Letícia Sabatela é uma ativista de causas honrosas. Airton Senna ajudava deficientes físicos e lançou a semente do Instituo que leva seu nome e é referência na educação cidadã de milhares de jovens carentes. Os ex-craques da seleção brasileira de futebol, Raí e Leonardo, implantaram o projeto Gol de Letra. Ronaldo Fenômeno – aquele que ninguém tem coragem de dizer que ele tem um calo – é embaixador da UNICEF, entre tantos outros exemplos edificantes.
Como dito alhures, tudo é uma questão de atitude. Portanto, ninguém precisa se sentir culpado ou preocupado porque é rico ou famoso, tampouco fazer voto de pobreza e humildade. Necessário sim estar alerta. As facilidades seduzem discretamente, mudam nossos projetos, neutralizam as melhores intenções e cegam às verdadeiras finalidades da existência. No capítulo XVI, item 14, do Evangelho Segundo o Espiritismo está a lição: “O rico tem, pois, uma missão, que ele pode embelezar e tornar proveitosa a si mesmo. Rejeitar a riqueza, quando Deus a outorga, é renunciar aos benefícios do bem que se pode fazer, gerindo-a com critério. Sabendo prescindir dela quando não a tem, sabendo empregá-la utilmente quando a possui, sabendo sacrificá-la quando necessário (...)” Afinal: “Quem faz circular os empréstimos de Deus, renova o próprio caminho.” Assinala o espírito André Luiz, através da mediunidade de Waldo Vieira.
Nada impede, portanto, que se busque com parcimônia melhoras materiais. De outro lado, inadequado sentir inveja da riqueza ou fama dos outros. Cada espírito tem a prova que precisa. Deus não dá fardo maior à nossa capacidade de suportar. Às vezes desejamos ter uma vida que nos levaria ao desajuste, ao excesso, à queda espiritual. Ricos e famosos pagam preço alto pelo que possuem, pela privacidade que não têm, pelas críticas de que são alvo.
Agora, por exemplo, que o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo e todos buscam culpados entre os famosos jogadores, estou mais resignado com meu calo ou esporão de galo (vejam a efemeridade da fama...)
Mas que era uma bolha... ah isso era.