sexta-feira, janeiro 04, 2008

MUITA PAZ

“No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo."
(João 16:33)




Dia 1º de janeiro comemora-se no mundo o Dia Mundial da Paz.
Há motivos para comemorarmos?
Entre os espíritas é comum o desejo de muita paz, ao fim de cumprimentos e saudações.
Creio ser este o desejo mais urgente à humanidade em 2008.
O mundo está precisando, realmente, de muita paz.
Apenas nos últimos dias de 2007 e início de 2008, os fatos chocam.
No Natal foram 2.561 acidentes de carros, com 1870 vítimas fatais.
No réveillon, o morticínio nas estradas continuou. Seis pessoas foram atingidas por balas perdidas nas festas de passagem de ano em Copacabana, no Rio de Janeiro. Outras foram vítimas de assaltos e assassinadas. Só no Pará foram 12 mortes na virada do ano.
Em várias delegacias e penitenciárias do país, os presos ficaram agitados, houve início de motins e tentativas de fugas. Numa das delegacias, vários presos morreram queimados após atearem fogo em colchões.
O Irã comemorou o Dia Mundial da Paz enforcando 13 pessoas, entre elas uma mãe de família. Só em 2007 foram executadas 297 pessoas.
Na França cerca de mil carros foram queimados em várias cidades.
No Paquistão, a ex-primeira Ministra Benazir Bhutto foi assassinada, fazendo explodir um caos em todo país, que – detalhe sombrio – é abrigo de radicais religiosos e detém bomba atômica.
No Quênia, cerca de 340 pessoas já foram assassinadas por causa de supostas fraudes na eleição presidencial, sendo que dezenas foram queimadas vivas dentro de uma igreja.
No Iraque, homens bombas mataram várias pessoas, o mesmo acontecendo na Turquia.
Em Bruxelas, as festas de final de ano foram canceladas por risco de ataques terroristas.
Pela primeira vez em três décadas de um dos mais famosos ralis do mundo, o Lisboa-Dakar, foi cancelado por causa de ameaças de ataques terroristas aos pilotos. Poucos dias antes do Natal, 4 turistas franceses foram mortos em um dos trechos do rali, a Mauritânia.
O Papa Bento XVI em sua tradicional prédica no primeiro dia do ano alertou sobre densas nuvens que pairam sobre a humanidade, que incluem a recrudescimento da violência, o aumento da tensão nuclear e a crise ambiental.
Não é sem razão que o tema guerra contra o terrorismo tem sido o centro dos debates nas eleições para a presidência dos EUA.
Vivem-se, de fato, tempos difíceis.
Nossos avós ainda puderam se sentar a porta de suas casas para conversar. Puderam dormir com janelas abertas, sem grades, passear pela cidade descontraidamente, dar carona para desconhecidos, deixar estranhos adentrar suas casas. Puderam sair pelas ruas sem receio de serem atropelados, de serem assaltados ou alvo de balas perdidas.
Nós somos reféns do medo.
Nos últimos anos a psiquiatria viu surgir uma nova patologia: o estresse pré-traumático. Até então, o trauma que gerava o sofrimento psicológico nascia da vivência de uma situação extrema, como um assalto, uma tentativa de agressão ou homicídio. Agora, o distúrbio psicológico está afetando milhares de pessoas antes da ocorrência de um determinado fato. Estamos sofrendo antecipadamente, com a constante sensação e o incontrolável medo de que algo está para acontecer.
Diante de um contexto como esse, logo surgem as idéias estapafúrdias de pena de morte, de tortura, de castigos corporais, de justiça pelas próprias mãos, como se a violência pudesse resolver a violência.
Não pode.
Mahatma Gandhi tem uma frase lapidar a respeito: “Não há nada que a violência pretenda resolver, que a paz não resolva.”
Não obstante isso, não raro as mesmas pessoas que criticam e reclamam da violência, usam de agressividade para lidar com as vicissitudes do cotidiano e veneram qualquer produção cultural que ostente rivalidades, vinganças, ódios, tiros, explosões e muito sangue.
Lamentam o morticínio, mas aplaudem espetáculos de atrocidades.
Não é à-toa que qualquer filme que tenha muitos cadáveres ensangüentados faz o maior sucesso de bilheteria.
No terceiro e quarto dia do ano, dois capítulo inteiros, exclusivos, da novela Duas Caras – carro chefe do horário nobre da Rede Globo, que vai ao ar às 20:00 horas em Belém – foi dedicado a um violento e patético combate na favela onde se desenrola o enredo. Um dos personagens principais passou o capítulo todo desejando o mal a seus adversários, jurando vingança, xingando, exortando a violência e distribuindo armas para recrudescer as cenas já fortes e estúpidas para qualquer horário. Vale dizer que, recentemente, esta mesma novela foi duramente criticada e ameaçada de restrições, por abusar de cenas de sensualidade explícita em horário impróprio.
Quantas crianças e jovens que têm nesses atores e atrizes seus ídolos são influenciadas por esse espetáculo deprimente?
Quantos delinqüentes se sentem motivados por se descobrirem heróis em horário nobre?
Quantos reconhecem na violência estilizada pela cultura de massa a forma adequada de resolverem seus conflitos e insatisfações?
Convém reavivar que o filme Clube da Luta motivou vários episódios de violência no mundo. Alguns desses jovens que assassinaram dezenas de pessoas em escolas e shoppings admitiram que foram inspirados por personagens fictícios de filmes violentos.
Não é demais lembrar que o filme que fez mais sucesso em 2007 no Brasil foi Tropa de Elite. Não por acaso, no dia 04 de janeiro as manchetes de vários jornais no Brasil estampam a suspeita de que policiais têm adotado métodos de tortura popularizados pelo filme.
Você já percebeu como vicejam programas policiais, com apresentadores descontrolados e agressivos que incitam mais violência?
Nossas crianças estão se divertindo com jogos onde vencer equivale a matar, esfolar, atropelar o maior número de vítimas possíveis. Por que ainda nos surpreendemos quando eles, na adolescência, descambam para a agressividade gratuita ou para o crime hediondo?
Em verdade, somos bombardeados por uma propaganda da violência, paradoxalmente, pelos mesmos meios de comunicação que, em seus telejornais, criticam, candidamente, a explosão da barbárie.
Por que não boicotamos esses programas?
Por que não repudiamos essa cultura?
Por que não reagimos pacificamente, mas de forma eloqüente, a esse espetáculo bizarro que, por dinheiro, incita o crime, a barbárie, a desordem?
Ecoa aqui a clássica afirmação do famoso Pastor e ativista político norte americano, vencedor do Nobel da Paz de 1964, Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.”
Talvez o silêncio decorra da contaminação dessa cultura que nos cega e ensurdece. Embalados por essa banalização, muitas vezes nos vemos agressivos em casa, no trabalho, no trânsito, na fila de espera, no restaurante, no campo de futebol.
Como então consolidar a paz?
Mais uma vez, Gandhi dá o caminho: “comece em você a mudança que queres ver no mundo.”
O mundo é o reflexo do que nós somos.
Agressividade não se limita a aspectos físicos.
Ela nasce no íntimo de nossas idéias, no recôndito de nossos sentimentos. É no mundo psicológico, das emoções, que nascem os assassínios, as torturas, as calúnias, os conflitos.
Precisamos nos desarmar mentalmente, antes que os pensamentos se transformem em atos hostis.
Por isso Jesus recomendou o orai e vigiai.
Precisamos boicotar as produções culturais que propagandeiam violência.
Por isso São Paulo ensinou: “tudo posso, mas nem tudo me convém.”
Precisamos perceber e experimentar as delícias da paz.
Por isso, Madre Tereza da Calcutar indicou a paz interior como a melhor das sensações do espírito.
Precisamos vivenciar a paz, em cada situação, em qualquer circunstância, mesmo quando injustamente atacados.
Tomemos como exemplo Chico Xavier que, maltratado por calúnias, perseguições e ataques de toda ordem, acabou sua vida com o título de homem amor.
Precisamos não aceitar provocações e nos controlarmos antes de revidar e nos sujar com vinganças comprometedoras.
Por isso Jesus advertiu Pedro, quando este feriu um romano por ocasião da prisão do Rabi: “Embainha tua espada Pedro, porque quem com a espada ferir, com a espada será ferido.”
Precisamos abandonar o julgamento sumário dos atos alheios e a condenação estúpida.
Não por acaso que Jesus, diante da multidão enfurecida, estabeleceu o critério de ouro: “que jogue a primeira pedra, aquele que está sem pecado.”
Precisamos todos lutar contra as trevas que pairam sobre o mundo, mas com as armas do amor.
Por isso Jesus negou o convite de comandar uma revolução armada contra o sistema então vigente, esclarecendo: “Meu reino não é deste mundo.”
Precisamos fazer luz onde quer que estejamos, em cada momento do dia e construirmos, passo a passo, um ambiente fraterno, de amor e de paz.
Atendamos, pois, à exortação de São Francisco de Assis:
“Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz!
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houve dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz!
Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado,
compreender que ser compreendido,
amar que ser amado,
pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna!

Estes são os meus votos a você em 2008.

Muita paz!