segunda-feira, setembro 29, 2008

AUTÔMATOS OU MUTANTES?

“Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, respondeu-lhes Jesus: “O Reino de Deus não vem de modo a ser observado. Não se poderá dizer: Ei-lo aqui! Ou Lá está!, porque o Reino de Deus está dentro de vós.”
(Lucas 17:20-21)



Entre as principais teorias que tentam explicar nossa natureza, duas se destacam: a da tábua rasa e a do determinismo genético. A primeira, ainda muito aceita nos meios acadêmicos, entende que nascemos como uma folha de papel em branco, nem maus, nem bons e que é o meio onde crescemos e vivemos, principalmente, que determinará quem seremos, seja pelas influências, seja pela educação. Já a teoria do determinismo genético, novo frenesi científico (para mim lixo cultural materialista), defende que nascemos como uma folha toda preenchida, no caso, pela carga genética que herdamos de nossos ascendentes, pais, avós, etc. Defendem que é a carga genética que define não apenas nossas doenças, mas também nossa personalidade, caráter e até mesmo nosso grau de felicidade.
Ambas padecem do mesmo erro: extremismo.
Nem uma, nem outra. O meio ambiente tal como os genes influenciam no que somos – isto é certo -, mas sem determinismos que soam um tanto quanto infantis, pois desprezam o livre arbítrio e todas as múltiplas conseqüências resultantes da liberdade de escolha.
Em verdade, somos obras de nós mesmos.
Não existe, também, o carma da infelicidade. Existe, isto sim, alguns acontecimentos difíceis programados para nossa vida. Como reagimos a eles é outra coisa, fica na dimensão íntima do livre arbítrio. A uns a queda faz chorar, a outros dá azo a boas gargalhadas.
Este aspecto é extremamente importante e reflete-se na essência do que estamos fazendo de nós mesmos. Não somos folhas em branco porque trazemos experiências e tendências de outras vidas. Também não somos meros resultados de combinações genéticas aleatórias. Somos causa e efeito contínuos. Se é assim, nossa personalidade não é imutável, mas, pelo contrário, essencialmente mutável, porque sujeita a contínuas experiências e aprendizados. Logo, é totalmente sem sentido a ultrapassada fala: nasci assim, sou assim e pronto. O que chamamos de personalidade é apenas a capa superficial de nossa identidade, bem mais complexa e profunda, bem maior que o ego que nos faz tão apegados a idéias, opiniões, comportamentos e sentimentos.
Quer isso dizer que muitos aspectos negativos de nossa personalidade podem ser modificados. Ninguém está condenado a ser o que é se gostaria de ser diferente. É verdade que toda mudança dá medo, exige esforços, renúncias, persistência e paciência, mas o fato principal é sabermos que detemos o livre arbítrio para decidirmos sobre que obra queremos fazer de nós mesmos.
Eis o inferno ou o Reino dos Céus de cada um ou no dizer do artista: “cada um sabe a dor ou a alegria de ser o que é.”
Muitas pessoas insistem em comportamentos por se crerem condenadas a serem como são. Crentes de que não podem mudar sua essência, entregam-se a comportamentos que reconhecem negativos, mas aos quais alegam não terem força de lutar. É para elas que dedico estas palavras.
Todos nós mudamos a cada instante, mesmo sem percebermos. Como já ensinara a filosofia grega: ninguém pisa duas vezes no mesmo rio. As macro-mudanças são mais difíceis, mas são possíveis, não raro necessárias.
Façamos mudanças naturais, como amadurecimento e não como projeto de santificação instantânea. Aliás, vale a lição de Santo Agostinho: “Dai-me a castidade e a virtude, mas não já.”
Não mudar por ignorância de que se pode mudar é uma coisa. Outra totalmente diferente é não mudar por teimosia, negligência ou por gostar de permanecer no erro, o que, aliás, é muito comum. Isso é livre arbítrio, é uma escolha consciente que naturalmente dará causa a efeitos. Quando os efeitos chegarem – e eles chegarão – não custa lembrar que nunca é tarde para mudar e, mais do que isso, esse é um direito que nunca se perde, mas perde muito quem dele não faz logo uso.
Engraçado que muitos adiam mudanças necessárias sob o estandarte da liberdade, como que para provarem que são livres para serem como quiserem. A esta falsa justificativa e perigosa ilusão, convém a suave lição do maior dos poetas indianos Rabindranath Tagore:
“É tão fácil esmagar, em nome da liberdade exterior, a liberdade interior”.
Haverá omissão mais grave do que aquela que viola a própria essência de nós mesmos? Fiquemos com a agradável companhia de Padre Antônio Vieira para refletirmos sobre sua ponderação:
“Sabei Cristãos, sabei Príncipes, sabei Ministros, que se vós há de pedir estreita conta do que fizestes; mas muito mais estreita do que deixaste de fazer. Pelo que fizeram, se hão condenados muitos, pelo que não fizeram, todos.”