"Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra.
Porque eu promovi o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as
pessoas possam viver em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que
espero viver mas, se necessário for, é um ideal para o qual estou preparado
para morrer".
(Conclusão do discurso de três horas de Mandela durante seu julgamento,
em 1964, em que foi acusado de sabotagem e traição).
Na primeira semana de abril de 2018 se completou
50 anos do assassinato do pastor protestante e ativista político Martin Luther
King Jr., assassinado por ser um dos mais importantes líderes do movimento
pelos direitos civis dos negros nos EUA.
No
Brasil, na mesma época, completa quase um mês do assassinato da vereadora
carioca Marielle Franco, que chocou o país e repercutiu em todo mundo. Conhecida
por suas lutas sociais em prol dos direitos humanos e de minorias, teve sua
vida ceifada por tiros que atingiram também o âmago da jovem democracia pátria.
Os assassinatos de Martin Luther King Jr. e Marielle
Franco nos trazem muitas questões. Destaco duas para serem analisadas pela
ótima espírita:
a) Podemos
nascer com alguma missão pré-definida, que inclui sua morte pela causa que
defende?
b) Alguém
nasce com a missão de matar outra pessoa?
Primeiramente
é importante entender que o que chamamos de missão deve ser abordada dentro do
que os Espíritos chamam de programação reencarnatória. Esta é um conjunto de
condições, circunstâncias, peculiaridades e compromissos que o Espírito assume,
direta ou indiretamente, antes de voltar para matéria, mas não se confunde com
destino, em face do seu caráter mutável e probalístico, eis que afetado pelo
uso do livre arbítrio.
Sabemos
que muitos Espíritos participam, em medidas diferentes, de algumas escolhas de
sua reencarnação. O grau de participação nas escolhas depende do mérito e,
portanto, do grau evolutivo do Espírito. Quanto mais evoluído, mais pode
participar nas decisões sobre seu processo de retorno à matéria.
Portanto, é possível que Espíritos evoluídos
participem, direta ou indiretamente, de escolhas de suas provas e expiações, o
que inclui o processo da morte. Não são incomuns, por exemplo, registros de
lideranças indicando o pressentimento de risco à sua vida, mesmo quando não há
ameaça clara a seu respeito.
Mas esse não pode ser tomado como um critério
absoluto.
Algumas questões importantes envolvem o tema.
No tocante à primeira pergunta, a resposta é sim.
Para entender, convém falar um pouco de alguns aspectos
relevantes.
Como mamíferos que somos, a espécie homo sapiens sofre forte influência das
emoções. Fartas pesquisas científicas comprovam que elas estão diretamente
associadas as nossas crenças, nossa percepção do mundo, nossa memória, nossos laços
afetivos e nossas decisões. Logo, as emoções são fatores que influenciam
significativamente não apenas indivíduos como também coletividades.
Por outro lado, líderes geralmente têm uma
habilidade comum: a empatia social cativante.
Quando um líder é assassinado, a sua morte gera, instantaneamente,
um irradiante impacto emocional que afeta grande número de pessoas, às vezes
toda uma sociedade e até mesmo vários países. O fato, cria, pois, uma atmosfera
psicoemocional e cognitiva favorável para que seu exemplo e ideias sejam conhecidas
e debatidas.
Mesmo em um tempo de hostilidades, a morte cria
naturalmente um clima de reflexão. Não quer dizer que tudo o que o líder lutava
torna-se perfeito. Quer dizer que as lutas, ideias e exemplos entram em pauta,
são debatidas e, por vezes, o clamor popular move as estruturas de poder e
transformações sociais ocorrem.
Podemos ver esse fenômeno claramente em mortes
como a de Martin Luther King Jr., Mahatma Gandhi, Chico Mendes e agora de Marielle
Franco. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Martin Luther King Jr e os direitos
civis dos negros e com Chico Mendes em relação à proteção ambiental da
Amazônia.
Por isso, é possível que a morte no contexto de
luta de seu ideal faça parte do programa reencarnatório de determinado Espírito
que voltou à carne com uma missão ligada a alguma causa nobre, como a garantia
de igualdade aos negros ou a luta contra grupos de extermínios em comunidades
pobres.
Olhada
isoladamente e somente pela perspectiva da matéria aquela morte pode não fazer
sentido, mas de um ponto de vista mais largo e espiritual ela pode servir como
um resgate de dívida passada – agora quitada em favor de uma causa nobre – e
pode ser uma peça central em um mosaico complexo que faz parte de um amplo
processo de mudança.
Ou
seja, é possível que a morte de determinado indivíduo faça parte de um plano
evolutivo maior, que é impulsionado pelo clamor social daquela morte. Isso não
quer dizer que todo Espírito que luta por uma causa nobre será assassinado e
tampouco que todo assassinato de lideranças esteja relacionado com sua luta por
uma causa nobre. Líderes também são assaltados e mortos como qualquer cidadão
comum.
Tampouco isso diminui a infâmia e a gravidade do
ato de matar, que deve ser investigado, punido e, no final das contas, atesta a
ainda baixa evolução da humanidade.
Também, não é possível afirmar que este é o caso
de Martin Luther King Jr. ou de Marielle Franco. É uma hipótese, eis que muitas
de suas lutas envolviam temas que estão relacionados com o progresso da
humanidade, como o respeito aos negros e a minorias marginalizadas. Mas,
repise-se, é apenas uma hipótese.
A primeira questão nos leva necessariamente à
segunda: alguém nasce com a missão de matar, por exemplo, um líder?
A resposta é um peremptório não.
O tema deve ser estudado sob o prisma do livre
arbítrio, que é objeto das questões 851 a 867 do Livro dos Espíritos. Sobre a
hipótese de alguém reencarnar para matar convém transcrever a questão 861 do
Livro dos Espíritos. Vejamos:
861.
Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um assassínio sabia
que viria a ser assassino?
“Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de
matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime
precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele
que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse
previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria a
isso predestinado. Ficai, porém, sabendo que a ninguém há predestinado ao crime
e que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do
livre-arbítrio.
“Demais, sempre confundis duas coisas muito distintas: os
acontecimentos materiais e os atos da vida moral. A fatalidade, que por algumas
vezes há, só existe com relação àqueles acontecimentos materiais, cuja causa
reside fora de vós e que independem da vossa vontade. Quanto aos atos da vida
moral esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a
liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”
Ou seja, ninguém nasce obrigado a matar.
Embora se reconheça a força do contexto e das
circunstâncias, a escolha permanece e a pessoa pode resistir e não puxar o
gatilho.
Ao puxar, assume a responsabilidade moral e
espiritual de sua escolha.
Ela
reflete a passagem bíblica (Lucas, 17) onde Jesus diz: ‘é impossível que não
venham os escândalos, mas aí daquele homem por quem o escândalo vem”.
Por derradeiro, convém ampliar o prisma de
análise e perceber estes fatos de um panorama mais amplo. Nesta toada, como
perceber o fato sob a visão espírita?
Sabemos que estamos vivenciando a grande transição
planetária. O tema é vasto, mas pode ser resumido nas convergências de
múltiplas mudanças em níveis e dimensões diferentes da existência humana e da
sociedade.
Modelos
antigos estão ruindo. Mas não cairão sem barulho, luta e infelizmente
violência.
As mortes de Martin Luther King Jr., de Marielle
Franco e de tantos líderes fazem parte desse contexto de grandes mudanças. São
pequenos pontos, que se tornam luz e inspiram transformações que às vezes só as
próximas gerações vão se beneficiar.
Oxalá chegue o tempo onde as mudanças só ocorrerão
pela via do amor. Por enquanto, infelizmente, a dor ainda tem muito a nos
ensinar.
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