PARTE II
(Continuação)
Tenho
consciência que as pessoas buscam o Espiritismo para os assuntos do Espírito.
Obviamente,
sei que o objetivo do Espiritismo é a reforma moral.
E assim
deve ser.
A questão
é que não estou propondo nada que colida com esta visão e objetivo.
A
proposta aqui defendida é sazonal, limitada a curtos períodos eleitorais e sem
prejuízo das atividades ordinárias das instituições espíritas.
São,
portanto, atividades e atuações que não são excludentes.
O que se
deve ter presente é a gravidade deste momento de crise.
A omissão
do movimento espírita revela-se grave na medida em que não se posiciona
publicamente – e no momento político mais adequado, que é a eleição -sobre
temas da maior importância para todo planeta. Vou citar apenas alguns dados que
comprovam minha afirmação.
O que o
movimento espírita tem a dizer sobre a crise ambiental? É a favor de quais
medidas? O que suas instituições têm feito? Ou entende que não há crise ambiental?
Em outubro o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas –
IPCC divulgou novos dados sobre a crise ambiental. O relatório toma
por base milhares de pesquisas científicas. Contou com 309 autores, 436
colaboradores e 66 revisores de 70 países.
Dentre as previsões do IPCC destacam-se:
- As mudanças climáticas atingem mais profundamente pessoas em
vulnerabilidade social ou geográfica. Isso agravará a crise humanitária de
refugiados ambientais;
- A biodiversidade está sendo afetada. Espécies terrestres e marinhas
estão alterando suas atividades sazonais, abrangência, padrões de migração e
interação;
- São cada vez mais recorrentes e intensos os chamados eventos
climáticos extremos, como secas e enchentes e cada vez mais fazem mais vítimas
e afetam também os preços e a disponibilidade dos alimentos;
- Se as emissões de gases do efeito estufa continuarem subindo – como
estão apesar das promessas -, até o fim do século XXI, o número de pessoas
expostas a grandes enchentes será três vezes maior;
- Para cada aumento de um grau da temperatura média global no planeta,
ocorrerá uma queda de 20% na disponibilidade de recursos hídricos para 7% da
população mundial;
- Maiores riscos de mortes resultantes de ondas de calor;
- O nível dos oceanos está subindo devido ao maior calor absorvido e ao
derretimento de geleiras e dos polos e muitas áreas habitadas serão gravemente
afetadas.
- Os oceanos estão sofrendo um processo crescente de acidificação
relacionado ao aumento da concentração de CO2;
- Maior exposição a doenças transmitidas pela água e por alimentos;
- O aquecimento global colocará em risco a produtividade pesqueira e os
serviços ecossistêmicos dos oceanos;
Como se
vê a crise ambiental exige um esforço de todos. O que se vê é que vários
setores da sociedade estão se mobilizando para ajudar a reverter os estragos da
crise ambiental. O que os espíritas têm a ofertar? Essa é uma pergunta que
precisa ser respondida pelo movimento espírita. Só assim, este poderá
posicionar-se.
Vejamos
outro problema que merece posicionamento do movimento espírita. Refere-se aos
Direitos Humanos, mais precisamente à luta contra o tráfico humano e o trabalho
análogo à escravidão.
Um
diagnóstico preliminar sobre o tráfico de pessoas no Brasil foi elaborado pela
Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça (SNJ/MJ), em parceria
com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
O estudo
revela a existência de 475 vítimas entre os anos de 2005 e 2011. Desse total,
337 sofreram exploração sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo.
As mulheres são o principal alvo deste abominável crime, pois garantem
melhor retorno financeiro para os traficantes através da exploração da
prostituição, atividade responsável por 79% das vítimas do tráfico humano. O
trabalho forçado, exercido por homens, mulheres e crianças, representa 18% do
total.
Não custa lembrar que todos os meses no Brasil pessoas são libertadas de
trabalhos degradantes, em condições análogas à escravidão.
Estamos falando de uma atividade rentável, que envolve uma rede
internacional de criminosos, que movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por
ano, privando a vida de mais de 2,5 milhões de pessoas.
Aliás, não custa lembrar que Bezerra de Menezes – um dos maiores ícones
do Espiritismo - teve uma sólida e bela trajetória política, com ampla
atividade pública, com atuações a favor da proteção do meio ambiente, dos
socialmente vulneráveis e notabilizando-se por sua luta contra a escravidão.
Por acaso, Bezerra estava errado em envolver-se com temas políticos?
É claro que não.
Gostemos ou não, é no palco político, no espaço público, que muitos
temas relevantes à sociedade e à humanidade são debatidos. Ser omisso em nada
ajuda.
Como ficar indiferente ao fenômeno de avanço da pedofilia, que é tema
central de cerca de
mil novos sites de pedofilia que são criados todos os meses no Brasil?
Estima-se que 76% dos
pedófilos do mundo estão no Brasil.
Isso
mesmo, na pátria coração do Evangelho.
Estudos
indicam que 52% desses sites tratam de crimes contra crianças com idades
que variam de 9 a 13 anos.
E cerca
de 12% deles expõem até crianças de zero a três meses.
O vinde a
mim as criancinhas do Cristo foi substituído pelo vinde a mim dos pedófilos. E
o que estamos fazendo?
Não dá
pra ficar neutro, omisso.
Afinal,
como anotou Dante Alighieri:
“No
inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a
neutralidade em tempo de crise.”
O
movimento espírita precisa se posicionar, unir forças e entrar na luta, pois
esta é uma das que estamos perdendo.
Sua
omissão abre espaço para que propostas e condutas condenáveis se alastrem. Por
outro lado, tal posição deixa milhares de pessoas órfãs e desorientadas, pois
gostariam de saber qual a posição do movimento espírita sobre uma miríade de
temas relevantes.
Sem uma
posição clara do movimento espírita vão buscar em outras fontes orientação, nem
sempre adequada, o que condena milhares de pessoas a condutas e posicionamentos
colidentes com o evangelho do Cristo.
Pragmaticamente,
a omissão dos espíritas e, sobretudo, do movimento espírita em temas relevantes
e centrais para sociedade e humanidade pode ter péssimas consequências em
relação a propostas renovadoras e consistentes, como muito bem demonstrado no
artigo “A Conspiração do Silêncio”, da educadora, escritora e coordenadora
geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, Dora Incontri[1].
Esses,
entre outros, são aspectos que devemos refletir com serenidade e maturidade,
fugindo das verdades prontas e dos radicalismos.
Criar
espaço nas instituições espíritas para o debate sobre temas centrais e
relevantes para sociedade e humanidade é imprescindível.
Algumas
instituições espíritas – como é o caso do Grupo Espírita Abrigo da Esperança –
GEAE[2] - já tomaram a dianteira no experimento de
construir uma nova postura do movimento espírita. Dentre outras coisas, abriram
o espaço da instituição para receber candidatos e debater temas sensíveis.
Tenho
minhas dúvidas se é o caso de abrir a casa espírita para receber candidatos. A
princípio, penso que não.
Ao
receber candidatos, as instituições espíritas correm um grande risco de serem
usadas como palanques e de gerar dúvidas sobre apoio a certos candidatos. É
preciso ter cautela. Talvez, no exercício desta cautela, a Federação Espírita
de Pernambuco publicou nota restritiva ao uso do espaço de casas espíritas para
o debate político[3].
Será esse
o melhor caminho?
Sobre
receber candidatos, faço uma ressalva.
Penso que
seria interessante a Federação Espírita Brasileira – FEB organizar na próxima
eleição presidencial uma série de eventos para oitiva dos candidatos à
Presidência da República, que poderiam ser interpelados sobre suas posições
sobre temas sensíveis ao movimento espírita.
Que mal
faria esse debate?
É preciso
ouvi-los e eles precisam nos ouvir.
O mais
importante é que as instituições espíritas estejam abertas para debater os
temas centrais do momento político, sob a ótica espírita.
Após
debatidos os temas centrais, cada espírita examinará livremente o candidato que
entende representar melhor o que foi debatido.
Por isso,
impõe-se por na ordem do dia esta discussão. Para evitar distorções e o mau uso
do espaço e da doutrina, bem como para também evitar que cada instituição
espírita faça ensaios, testes e experimentos a seu jeito, convém que a
Federação Espírita Brasileira – FEB abra espaço para o debate deste tema e
oriente movimento espírita, de forma que a participação na vida política do
país ocorra de forma organizada, crítica, cuidadosa e uniforme.
É verdade
que sempre haverá um risco residual de distorções e de mau uso das instituições
espíritas. Mas viver é correr riscos. E não há maior risco que a omissão, que o
silêncio diante do avanço de projetos e teorias sombrias. A história é farta em
condenações de posturas omissas de religiões e líderes religiosos em relação a
assuntos graves como violação de direitos humanos, genocídios, etc.
Vamos
flertar com este erro histórico?
Por fim,
o último ponto que trago é um esboço, incompleto e apenas exemplificativo,
sobre quais temas deveríamos nos posicionar.
Proponho
que nas eleições, sobretudo, nas de âmbito nacional, que elegem o Presidente da
República, os Governadores, os senadores e os deputados federais, o movimento
espírita divulgue uma Carta de Proposições do Movimento Espírita.
Outros
setores da sociedade já fazem isso com muito sucesso, colaborando para o
amadurecimento e debate político.
Paralelamente
a isso, que se programem palestras sobre conduta ética recomendada aos
espíritas durante as eleições.
No
tocante à Carta de Proposições do Movimento Espírita, o campo temático é vasto.
Para fins de início de debates, seguem alguns temas sobre os quais o movimento
espírita deveria se pronunciar. Vejamos:
1. Defender como prioridade
a ética na política, com ênfase no diálogo respeitoso e plural, na revitalização
moral das campanhas eleitorais e no combate à corrupção;
2. Defesa do Estado Laico,
com a separação do Estado e da religião, mas com respeito a todos as crenças
religiosas e àqueles que não têm uma religião;
3. Defesa da
tolerância religiosa e cultural e combate a qualquer forma de fundamentalismo,
perseguição, preconceito e discriminação;
4. Defesa e respeito
aos Direitos Humanos, com ênfase na proteção e respeito das minorias, no
combate a qualquer forma de preconceito e discriminação. Repúdio à tortura, às
penas degradantes e à pena de morte. Repúdio à violência contra crianças,
mulheres e idosos e apoio ao combate ao tráfico humano e ao trabalho degradante
e análogo à escravidão;
5. Reforçar o pacto pela
vida, com ênfase na posição contra a eutanásia, na ampliação de políticas
públicas de prevenção ao suicídio, combate às drogas e contra o aborto, neste
caso, defendendo políticas públicas preventivas e de acolhimento fraterno,
assistencial e psicológico às mulheres;
6. Defesa do meio
ambiente e do interesse das futuras gerações, com ênfase no fortalecimento do
mercado ético, na ampliação da matriz energética limpa e renovável, na economia
sustentável e na ampliação de políticas públicas preventivas para desastres
ambientais;
7. Priorização e ampla
reforma da educação no país, com destaque para a formação integral do ser
humano e com espaço para o ensino religioso de caráter plural e
multidisciplinar;
8. Apoio às políticas de
inclusão e proteção social, com ênfase no fortalecimento de mecanismos que
impeçam a dependência e o uso eleitoreiro de tais benefícios;
9. Combate à
criminalidade com políticas públicas de caráter preventivo, sobretudo com
criação de oportunidades e vias de inclusão social e de resocialização;
10. Atuação
geopolítica fundada no amplo diálogo, na diversidade, no respeito ao meio
ambiente, aos direitos humanos e na cultura da paz.
Naturalmente,
tais propostas são apenas sugestões incompletas e imperfeitas. Impõe-se
melhora-las e acrescentar outras.
Não tenho
a pretensão de falar pelo movimento espírita e tampouco de pautar suas posições
e prioridades. Longe disso. Este artigo, como disse no início, é uma crítica
saudável e com a melhor das intenções. No fundo é uma declaração de amor. E
quando se ama, quer-se sempre o melhor.
Ele visa
propor um amplo debate sobre um tema que ainda é um tabu, bem como estimular
uma mudança de postura do movimento espírita.
E se isso
acontecer, já terá valido a pena.
[1] Disponível em: http://doraincontri.com/2014/07/14/a-conspiracao-do-silencio-em-torno-do-espiritismo/ Acesso
em 09.11.2014.
[2] Disponível em: http://www.geae.org.br/carta-aberta-eleicoes-2014/ Acesso
em 09.11.2014.
[3] Disponível em: http://federacaoespiritape.org/eleicoes-2014-nota-oficial-da-ffederacao-espirita-pernambucana/ Acesso
em 09.11.2014.
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