quarta-feira, julho 29, 2009

UM MAR DE DESTRUIÇÃO

A vida veio do mar.
Há alguns milhões de anos, as primeiras formas simples de vida emergiram da sopa química para dar início ao grande e complexo processo de evolução das espécies.
O mar ainda abriga milhares – quiçá milhões - de espécies desconhecidas, ainda é um santuário da vida marinha e sustenta vários ecossistemas terrestres, mas já não é um paraíso perdido. Há cerca de 2 anos, uma pesquisa atestou que mesmo nos mares mais longínquos e isolados do planeta há registro de poluição. Não há mais águas virgens, puras. O mito do paraíso perdido caiu.
Cerca de 40% da população mundial vive a menos de 100 km do litoral. Algo em torno de 100 milhões de pessoas vivem a menos de 1 metro acima do nível do mar. A zona costeira abriga as maiores cidades do planeta e os mercados mais ativos, com altos fluxos de capital e entrechoque de poderosos interesses. Estima-se que por dia, no mundo, cerca de 2 mil famílias migrem à zona costeira para fixar residência.
A situação é especialmente grave nas cidades que abrigam belas costas e praias badaladas. Não é à-toa que grandes grupos empresariais estão investindo pesado na construção de resorts à beira mar, em plena privatização do espaço público. Atualmente, imensos trechos de praia, sobretudo no nordeste, já estão interditados aos cidadãos comuns. Apenas os clientes vips destes luxuosos espaços de lazer têm acesso ao paraíso. É bom que saibam que a maior parte do esgoto produzido por estes lucrativos complexos é lançado, sem dó e sem tratamento, no mesmo mar que lhe assegura vultosos lucros. Mas alguém que vai se hospedar em um resort pergunta sobre sua responsabilidade ambiental?
Deveria.
Onde o ser humano chega faz estragos no meio ambiente.
Em todo mundo, o litoral é uma das maiores vítimas da poluição e do uso predatório dos recursos naturais.
Em janeiro de 2008 a FAO, órgão da ONU, advertiu que nos últimos 25 anos o mundo perdeu cerca de 20% de seus mangues. Em 1980 eram 18,8 milhões hectares, que diminuíram em 2005 para 15,2 milhões de hectares.
Nas cidades litorâneas brasileiras, mangue passou a ser a nova fronteira de expansão dos centros urbanos. Não há semana que não registre mangue sendo invadido, aterrado, loteado e vendido. A considerar que o mangue é o berço da vida dos oceanos, dá pra imaginar a gravidade desta sandice.
Noutro vértice, sabe-se que o estoque de peixes dos oceanos está caindo vertiginosamente por causa da pesca predatória e excessiva, algo em torno de 2,5 vezes acima da capacidade de renovação dos oceanos. Várias espécies já sumiram ou são cada vez mais raras e áreas imensas já estão com a capacidade natural de reposição totalmente comprometidas, 3\4 das regiões pesqueiras do mundo para ser mais exato, segundo a ONU.
Caso gravíssimo é o da poluição. Nas grandes cidades litorâneas já não é possível usufruir das praias urbanas. Milhões de toneladas de esgoto não tratado e de lixo são despejados no mar. A beira mar de São Luiz, de Fortaleza, de Recife, de Florianópolis, tanto quanto a Baia de Todos os Santos ou a Baia da Guanabara estão seriamente poluídas. É preciso se afastar dos centros urbanos para praias cada vez mais longe para se banhar em um pouco menos de poluição. E onde os turistas chegam, deixam seus resíduos, suas marcas, seus estragos. Mas não passam impunes. Os estragos que fazem no meio ambiente, fazem em si mesmos. Pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Gama Filho constataram altos índices de bactérias, fungos e parasitas intestinais na areia das principais praias cariocas. O limite aceitável para coliformes fecais é de 400 por 100 gramas. No Leblon a taxa de contaminação é de 5.000 por 100 gramas, no Leme é de 88.000. Nas areias das belas praias cariocas, além do desfile de corpos esculturais, passeiam alegres e viçosos batalhões de lombrigas, oxiúrio e solitárias[1], que se refestelam nos corpos indefesos de milhares de crianças que brincam inocentemente na praia.
Nas praias do litoral salgado paraense, há um esforço de várias instituições para evitar danos ao meio ambiente como os relatados acima. Estudantes foram conversar com os veranistas para explicar a importância da preservação deste ambiente. O contato foi bom. A atitude não. No final da tarde, ali estava a praia levianamente suja, transformada em lixão, violada em sua sacralidade pela impostura humana.
Um dos veranistas, chateado por não ter podido estacionar onde queria, lançou uma garrafa plástica na areia da praia, bem à frente dos estudantes que faziam o trabalho de conscientização. Ao ser abordado para receber a explicação do dano ao meio ambiente, perguntou sarcástico: _ Esta garrafa vale mais que meu carro? Outro, não se interessou pelas explicações. Queria saber se tinha brindes.
Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas para cada 2,5 quilômetros quadrados de mar existem 46 mil fragmentos de plástico, que já é responsável por 70% da poluição marinha, que, por sua vez, mata por ano cerca de 1 milhão de pássaros e 100 milhões de mamíferos marinhos. Baleias já foram encontradas com 800 quilos de lixo no estomago. Quais não foram o mal estar e as dores que sentiu antes do óbito?
Mas esta poluição marinha não afeta apenas bichos. No meio ambiente tudo está relacionado. Sabe-se que 80% de todas doenças dos países em desenvolvimento se disseminam pela água poluída ou por ausência de água. Importante dizer que as doenças mais mortíferas do mundo têm relação com esta situação. São 1,7 milhão de vidas que perecem, a cada ano, por causa de água suja. 90% das vítimas são crianças. As que não matam, incapacitam. Cálculos apontam que 82 milhões de anos de vida saudável são inviabilizados por causa das doenças disseminadas pela água.
Está claro que não é apenas a falta de informação que alimenta esta estultice. A maioria das pessoas ainda age como se o problema não fosse delas, como se não fosse algo grave e, para além das declarações formais de preocupação com a natureza, age com indiferença a qualquer necessidade de esforço ou sacrifício pessoal.
Mas isto tudo tem preços que já estão sendo debitados automaticamente em nossas contas conjuntas. Espalham-se as zonas mortas, as marés vermelhas, a extinção de espécies, a acidificação das águas, a salinização da água doce, a erosão, a destruição do assoalho marinho e, por conseguinte, disseminam-se as doenças e a perda da qualidade de vida para milhares de pessoas.
Pesquisa da ONG Defensoria da Água, de 2008, aponta que no Brasil cerca de 70% das águas superficiais estão contaminadas e, por isso, impróprias para o consumo. Em relação ao levantamento anterior, de 2004, houve um aumento da poluição na ordem de nada menos que 280%.
O futurólogo Patrick Dixon, professor do Centro para Gestão de Desenvolvimento da London Business School, ressalta que “entre 1950 e 1990 a utilização da água triplicou, quando a população aumentou cerca de 2,7 bilhões. A população deverá sofrer um aumento do mesmo teor, de uns de 50%, até 2030, mas o suprimento de água não conseguirá ser triplicado novamente sem sérios problemas de escassez. Logo, algo precisa ser feito”[2].
Apesar disso, a Agência Nacional de Água – ANA estima que o desperdício de água chega a 400 litros para cada 1000 litros disponíveis. Em crescentes partes do mundo, o consumo diário de água é de apenas 5 litros, menor que o gasto de uma descarga comum do vaso sanitário de nossas casas. Vai piorar. Estima-se que até 2050 mais de 4 bilhões de pessoas viverão em áreas com carência severa de água. A ONU, apoiada por muitos estudiosos, prevê que as guerras do futuro terão por causa o acesso à água. Pontos de tensão se multiplicam: Israel e Palestina; México e EUA; Egito, Etiópia e Sudão; Bangladesh, Butão, Índia e Nepal são alguns exemplos do que pode acontecer no futuro próximo[3].
Jared Diamond e Ronald Writh, dentre outros respeitados estudiosos, alertam que civilizações inteiras como a Suméria, a Maia, a da Ilha de Páscoa pereceram por causa, especialmente, do colapso ambiental. Ressaltam, sem subterfúgios, que estamos caminhando neste caminho.
Óbvio que ainda podemos reverter a situação.
Quando estiveres diante do mar, este altar líquido da vida, glorifique o refinamento da arte divina e antes de usufruir deste sagrado ambiente, lembre-se que é seu dever velar por ele.
Afinal, consciência ambiental é espiritualização.








[1] Revista Veja, ano 42, Edição 2123, de 29 de julho de 2009, pg. 108\109.
[2] DIXON, Patrick. Sabedoria do futuro: as seis faces da mudança global. Editora Best Seller, Rio de Janeiro, 2007, pg. 113.
[3] CLARKE, Robin. KING, Jannet. O Atlas da água. Publifolha, São Paulo, 2005, pg. 13.