sábado, junho 24, 2006

Dor na consciência

“Faze tudo como se alguém te vigiasse.”
(Epicuro, Filósofo Grego)


Pense em uma pessoa que você ama profundamente, sem a qual sua vida seria diferente. Alguém a quem você quer muito bem e que fica triste quando algo lhe acontece. Agora imagine uma pessoa fazer-lhe mal e dar de ombros à situação, indiferente e sem remorso. Em 2005 completou-se 60 anos do ataque atômico a Hiroshima e Nagasaki. Quando a bomba caiu, instantaneamente foram incineradas 140 mil pessoas numa cidade e cerca de 350 mil em outra. Além dos mortos, restaram milhares de mutilados e contaminados pela radiação, todos com profundos traumas psicológicos da tragédia. Gerações seguintes ainda tiveram de suportar o efeito do ataque em seus filhos, muitos dos quais nasceram com alterações genéticas e graves deformidades. Perguntado, aos 90 anos, sobre o assunto, o piloto americano do Enola Gay – nome da mãe do piloto pintado na fuselagem do avião –, Sr. Paul Tibbets, declarou: “Você vai sempre matar pessoas inocentes ao mesmo tempo. Nunca travamos uma guerra em que civis não morressem. Gostaria que os jornais parassem com essa besteira de “ vocês mataram tantos civis...Eles tiveram o azar de estar lá.” Sadan Hussein, ex-presidente do Iraque, hoje preso, demonstra desprezo pelo Tribunal que o julga por crimes de guerra contra humanidade. Slobodan Milosevit, ex-presidente sérvio, acusado de praticar “limpeza étnica” contra minorias, morreu este ano solitário na prisão, sem demonstrar qualquer arrependimento. Ambos se diziam vítimas de perseguição política. Já ouviu isso né! O noticiário cotidianamente traz casos de crimes hediondos, muitos praticados por motivos fúteis, sem que os criminosos demonstrem qualquer atitude de penitência. Políticos se sucedem em atos ímprobos e inidôneos, ordinariamente desviando verbas públicas que seriam aplicadas em saúde, por exemplo. Agem assim e quando uma criança sucumbe por falta de atendimento digno em hospital público, ainda sobem em palanques para pregar – em discursos inflamados - a retidão moral, a conduta ilibada, com a mais convincente desfaçatez, fingindo não ter nada haver com o ocorrido.
Será que a consciência dele (a) não dói? Esta é uma pergunta comum, normalmente verbalizada quando se está diante de uma atitude má que choca, de uma ou mais pessoas desequilibradas que por onde passam deixam rastro de destruição e prejuízo. Não raro, nos deparamos com situações onde a pessoa que prejudica outra (s) não demonstra aparentemente nenhum remorso ou sensibilidade a dor causada em outrem. Muitas vezes, aparenta viver bem e proclama a quem quiser ouvir que, se for preciso, faz novamente. Noutra ponta, há casos onde vemos pessoas injustiçadas, sofrendo. Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara dos Deputados, certa vez, desabafou: “consciência limpa é a que dói”. É uma frase de efeito, mas não é apenas a limpa que dói. Consciências surradas pela culpa, mesmo a abafada, sofrem e geram muitos distúrbios e enfermidades. Por que? No livro dos espíritos, questão 621, Kardec pergunta aos espíritos superiores: onde está escrita a lei de Deus. A resposta é perturbadora: na consciência. Explicada está a passagem bíblica (Lucas, 8:16-17) que diz: “pois nada há secreto que não haja de ser descoberto, nem nada oculto que não haja de ser conhecido e de aparecer publicamente”. Deus nos colocou um vigia incansável: a consciência. É certo que muitas vezes vemos pessoas indiferentes a seus erros e atitudes desastrosas. Prejudicam pessoas e apesar de sucessivas chances para mudarem, continuam a prejudicar por toda vida. Elas também têm a voz da consciência. Ocorre que o orgulho, o egoísmo, a revolta, a ambição - entre tantos outros fatores e composições - criam uma crosta que gera a cegueira e surdez consciencial. Mas a consciência está lá, assim como as noções elementares – ou até mais elaboradas – do que é certo ou errado. Algumas não despertam nesta existência a seus equívocos e usam seu livre-arbítrio para escolherem uma vida criminosa, irresponsável e egoísta. Outras cedem a pressão da consciência e quedam sob o peso da culpa. Começam ainda neste plano de existência a expurgar seus erros, não como mera punição ou castigo, mas como resultado do que plantaram (lei de causa e efeito) e como ferramenta pedagógica para que aprendam pela dor – já que não quiseram aprender pelo amor e conhecimento – outras veredas a serem percorridas pelo seu espírito.
A história registra casos dramáticos. As grandes guerras mundiais são repletas de crises conscienciais. Otto Hahn, químico de escol da Alemanha e ganhador do Prêmio Nobel, sentiu-se envergonhado e profundamente perturbado quando cruzou a terra de ninguém, zona de batalha, então devastada pelo ataque com gás tóxico contra as tropas russas. Ao ver soldados russos agonizando, mediante terrível sofrimento, desesperou-se e tentou ele mesmo revivê-los e protegê-los com as máscaras dos oficiais do Exército. Era tarde. Outro químico alemão, prestigiadíssimo e ganhador do Nobel de química, foi o Dr. Fritz Haber, precursor da guerra química. Por causa de suas experiências e idéias, milhares de soldados perderam a vida agonizando mediante dores atrozes, arma que seria utilizada também nos campos de concentração contra judeus. Após os primeiros ataques Haber iniciou abatimento físico e psicológico, seguido da perda de sua esposa e filho mediante suicídio, crise que culminou em profunda depressão e com a seguinte declaração: “Estou lutando com forças em declínio contra meus quatro inimigos: a insônia, as exigências financeiras de minha ex-esposa, minha inquietação com o futuro e a sensação de haver cometido graves erros em minha vida.” O maior guerreiro de todos os tempos, Alexandre o Grande, abateu-se gravemente consternado, quando, em ataque de fúria, atacou e matou seu amigo Clito. Ao perceber o desatino, quis se suicidar e, detido, passou dias desolado, doente e inerte em seu quarto. Plutarco, historiador clássico, registra o comentário de Anaxarco, filósofo, ao ver o estado do guerreiro: “Ei-lo, então, este Alexandre, sobre o qual se fixam os olhares do mundo! Ei-lo estendido no chão como um escravo, desfazendo-se em lágrimas, com medo das leis e do julgamento dos homens, ele que para todos deveria ser a lei personificada e a justiça! Para que venceu? (...). Há, contudo, quem tente fugir do tribunal consciencial. Pilatos lavou as mãos no julgamento de Cristo, enquanto Judas se suicidou. Há quem minta, quem negue, quem não queira falar a respeito ou beba para adormecer a dor na consciência. Entretanto, nada mata a consciência. Cedo ou tarde, nossa vida será passada em revista e teremos de enfrentar o Tribunal da Consciência. Diante de crimes, é comum ouvirmos: _ Só quero justiça! Contudo, muitos fogem de enfrentar suas responsabilidades. Jesus ensina: “Reconcilia-te o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não sejais metido em prisão. Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não houverdes pago o último ceitil.” (Mateus, 5:25 e 26). Às vezes ouvimos declarações furtivas do tipo: _ Estou com minha consciência tranqüila. Lá dentro da cabeça do declarante, entretanto, está a maior confusão. _ Não tô tranqüila não! Alguém está me ouvindo?! É mentira! Estou tensa! Não tenho paz. E o declarante arremata: _ À noite coloco minha cabeça no travesseiro e durmo como um anjo. _ Hoje à noite mesmo não. Te prepara pra insônia meu querido. Avisa a consciência. O quê? A sua anda agitada assim? Hum, melhor conversar com ela e rever rumos. Aí reside o inferno ou o céu. Emmanuel Swedenborg, maio filósofo escandinavo, assinala: “ O bem e o mal que fazemos estão escritos em nosso cérebro, e os anjos descobrem a nossa autobiografia.”

quinta-feira, junho 15, 2006

Pena ou Compaixão

Você já sentiu pena de alguém que está passando por sérias dificuldades? E de si mesmo? E daquela barata semi-esmagada, bem abaixo de seus pés, aguardando a última pisada? Ê tema complicado.
É comum que digamos estar sentindo pena de alguém. Não menos comum é ouvirmos que não se quer que ninguém sinta pena de si. Pena parece algo humilhante, ofensivo, dá entender que a pessoa está, digamos, acabada. De outro lado, quem sente pena, está sensibilizado, gostaria de ajudar, quer o bem da pessoa que passa por dificuldade. Não obstante a boa vontade, precisamos estabelecer importante diferença entre pena e compaixão.
A percepção de quem sente pena é de cima para baixo, de alguém que se acha melhor e mais forte – naquele particular momento – do que o outro de quem se tem pena. Mais que isso, a pena pressupõe que percebemos o outro incapaz de reagir, de conseguir erguer-se por si só. Por isso, a atitude de quem sente pena é exageradamente passional, mas nitidamente fora do foco, desviante, porque busca prestar solidariedade ao outro sem acreditar na força da pessoa em dificuldade. Pior que isso, geralmente quem sente pena traz no seu íntimo uma negação implícita de empatia, pois não raro confessa: “não queria estar no lugar dele”. Ora, como ter empatia, sem buscar a sintonia fina com a dor alheia? Isso gera atitudes distanciadas, humilhantes e reforça no outro a sensação de que ele é um coitadinho e que o problema que ele vai ter de enfrentar é um monstro horrendo e quase invencível, devorador de esperanças. De tabela, faz o outro se sentir perdido, incapaz e dependente da ajuda exterior, na medida que não lhe desperta o interesse de aprender e coragem de crescer com a situação.
Carl Rogers, notável psiquiatra americano já falecido, um dos precursores da psicologia humanista e criador da terapia centrada na pessoa, afirma que toda pessoa tem o que chamou de tendência realizadora, que nos conduz à luz interior, que nos arrasta para o crescimento. Rogers defende a tese de que todos temos as respostas para nossas inquietações e as potencialidades necessárias para resolvermos nossos problemas. Algo parecido com a afirmação crística de que o Reino dos Céus está em nós? Não é mera coincidência. Ter pena é, pois, negar a tendência realizadora do ser humano e sua capacidade de crescimento. Na doutrina budista, a compaixão é a pedra fundamental dos ensinamentos de Buda. O Dalai-Lama – líder espiritual do Budismo Tibetano - tem girado o mundo ensinando e defendendo que tenhamos uma vida mais compassiva. Nos últimos anos a ciência tem atestado inúmeros benefícios à saúde desse estilo de vida.
Com o estudo adiantado e sistematizado do que acontece no mundo dos espíritos, já sabemos que a lei do progresso preside o universo. Tudo avança. Todas as pessoas trazem em si o gérmen da evolução. Todas. Ter pena é subestimar, negar mesmo a lei do progresso.
A compaixão exige outra atitude. Ter compaixão é ser empático, ou seja, é nivelar-se com o outro, ombreando-o lado a lado, sem, contudo, carregá-lo. Por isso, imprescindível que se acredite nele e que ele também volte a acreditar em si e na vida, mesmo com suas naturais agruras. Geralmente pessoas que passam por grandes dificuldades têm afetados núcleos íntimos importantíssimos à essência humana, como a auto-estima, a auto-confiança, o amor-próprio, a fé, a capacidade de iniciativa e empreendimento, o discernimento crítico, o senso de oportunidade e de gestão, a capacidade de entregar-se e, principalmente, de amar. Ser compassivo é ajudar de forma eficaz a reconstrução dessa essencialidade, então desestruturada por um momento difícil. Veja que não disse que essas potencialidades se perderam. Disse que estão desestruturadas, embaralhadas entre sentimentos ambíguos e pensamentos confusos. O que Carl Rogers fazia? Escutava. Desenvolveu técnicas terapêuticas onde era muito mais importante ouvir do que dar conselhos prontos. Qual seu método? Algo similar a maiêutica socrática, ou seja, através de perguntas que conduzem o interlocutor às suas próprias conclusões. Através de suas técnicas, Rogers propiciava – sem pena ou dó, mas de forma compassiva - que a pessoa fizesse uma viagem para dentro de si mesma em busca de seu eu, de sua essência. Ouvir, respeitosa e inteligentemente, é apenas uma forma de ser compassivo. Quem tem pena, como dito alhures, quer distância, não deseja envolvimento, traz os conselhos embrulhados com lacinho e tudo, os doa ao coitadinho e tchau, quase sempre fazendo um discurso de entrega da salvação sobre seu próprio exemplo de vida. Paulo Freire – maior pedagogo que essa pátria pariu - sempre afirmou que a liberdade não pode ser doada, mas conquistada.
Mas de tudo, o mais perigoso mesmo é a autocomiseração. Trocando em miúdos, é sentir pena de si mesmo. Diria que é o resultado da impregnação do sentimento de pena que tanto recebeu dos outros, passando a hospedá-lo em seu íntimo e a comportar-se como um desgraçado. Outro dia acompanhei duas senhoras disputando desgraças. Uma falava de sua vida enfermiça, listando as intermináveis mazelas de seu corpo físico. A outra, para não ficar por baixo, alardeava as suas. Do cabelo ao coração, não teve órgão são (até rimou). Quando no final das contas o placar deu empate, deixaram as doenças e travaram combate no campo emocional. _ Por que a senhora não tem o marido que eu tenho. Eu sou uma desafortunada mesmo. Não?! Respondia a outra, cheia de argumentos. _ O meu é que é dose pra leão. Começa pelo ronco (neste momento devo admitir que quase intervenho, ronco não deveria contar ponto negativo, afinal, ninguém ronca porque quer. Já deu para perceber que eu ronco um pouquinho né...). Enfim, a fila andou e as duas seguiram suas lamentações. Exemplo de autocomiseração pública.
Em verdade a pena e a autocomiseração quase sempre se valem do que se chama em medicina de ganho secundário. Trata-se de comportamento que o doente passa a ter, alongando seu estado de enfermidade – muitas vezes inconscientemente – para continuar usufruindo ganhos que não tem quando em estado saudável ou porque não quer enfrentar os riscos da vida e prefere ficar ali parado, se fingindo de morto vivo. É a síndrome da barata semi-esmagada. Aquela mesma que você poupou a última pisada e quando foi procurar cadê? Fugiu para um lugar seguro, longe dos riscos da vida (Aliás, elas são invencíveis em nos enganar. Que técnica! Também ninguém tem pena, nem compaixão delas). Quer outro exemplo de ganho secundário? Mais atenção de amigos e parentes, doações de bens materiais, etc... Temos de nos questionar sobre o que está por trás disso? Especialmente do nosso comportamento. Será que só damos atenção aos outros quando há ameaça de perdê-los? Será que estamos ajudando o outro, quando fazemos tudo para que ele não enfrente a vida como ela é? Será que só somos caridosos quando estamos diante de tragédias? A resposta não é simples, mas um dos seus componentes, por certo é a culpa. Muitas das nossas ações são movidas por culpa, muito mais do que por amor, caridade ou compaixão. E muitos são os que sabem explorar esses sentimentos. Outro dia uma jovem, cerca de 30 anos, foi mais uma vez a uma instituição de caridade pedir ajuda. Já tinha aparecido relatando enfrentar várias doenças. Certa vez, apareceu inclusive cega. Desta vez inovou. Apareceu mancando com extremas dificuldades, apoiada em improvisada bengala de pau. Segundo explicou, tinha sofrido grave acidente. Precisava como nunca de uma cesta básica. Após receber a cesta, caminhou arrastando-se. O doador saiu à rua, segundos depois, e ainda pôde ver a jovem erguer-se ereta e firme, ao tempo que lançava ao longe a bengala e seguia lépida a seu destino.
O convite aqui, repise-se, não é cair na fácil tentação de se concluir que não se deve ajudar o pedinte ou para se julgar o mérito do ato da jovem, mas sua mensagem implícita. Por que ela estabeleceu este tipo de comunicação visando tocar o doador em algum ponto do seu ser onde estava alojada a culpa, parceira velada e mascarada da pena.
A verdadeira ajuda está em fazer com que o outro se redescubra e se reeduque como ser capaz de enfrentar sua própria história. Isto não se consegue com pena, só com compaixão.

terça-feira, junho 06, 2006

Transformação




Não é exato dizer que a morte não existe. Existe. Trata-se de um fenômeno biológico, natural. Contudo, não é apenas isso. É sobre esse mais que conversaremos. Sei que você talvez não goste de ouvir isso – que é óbvio, mas não gostamos de admitir -, mas todos morreremos. Os estudiosos dizem que não gostamos de falar sobre o assunto, porque ele remete a nossa própria finitude neste plano. A morte pode ser adiável, mas é inevitável. Depois explico como conseguir o adiamento, pois sei que esse assunto te agradou bastante.
Muito bem, o fato é que morreremos. Trata-se de uma experiência individual, mesmo quando circunstanciada por um acontecimento que envolva muitas mortes, uma “tragédia” ou resgate coletivo. Cada morte é experiência única e insubstituível. Portanto, não adianta querer arranjar alguém para morrer em seu lugar. O que torna a morte um drama é o lixo que se misturou ao assunto. Agora, vamos limpar parte desse lixo e as coisas vão ficar mais claras.
Primeiro ponto importante: a morte não é o fim da linha. Aliás, é sim, mas apenas para o corpo. Este chegou ao seu termo, voltará à mãe terra que lhe dará utilidade. Ah, para os materialistas esse é o fim. Depois da morte, não há nada. Que coisa chata, sem sentido. Antoine Lavoisier (1743-1794) explica bem essa história de nada. Disse o ínclito químico francês: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” Pois isso que a morte é: uma transformação.
Esse não é um artigo para convencer ninguém que a morte não é o fim. Existem muitas provas sobre a imortalidade do espírito. Registre-se, provas científicas. Isso mesmo. Procure estudar um pouco sobre Transcomunicação Instrumental, Experiências de Quase Morte, Experiências no Leito de Morte, Reencarnação, Terapia de Vidas Passadas, entre tantas outras pesquisas. É óbvio que existem muitos cientistas que negam. Se você for esperar que eles mudem, você vai literalmente morrer esperando. Existe muita ignorância, preconceito, além, é claro, de interesses e vaidades nesta posição adotada por muitos cientistas. Mas expressiva parte deles já admite as provas e os que não admitem, também não provam absolutamente nada quanto a estarmos errados. Disso tudo apenas uma coisa é certa: a morte não é o fim.
Como dito alhures, a morte é uma transformação. Mas calma, você não vai morrer impaciente e irascível e acordar do lado de lá um monge budista. Cada um desperta com o que fez de seu espírito. Não há transformações mágicas. O que se transforma é a condição de existência. Ficou bonito, mas acho que não ficou tão claro. Trocando em miúdos, você abandona a casca material e desperta na dimensão espiritual apenas como espírito ou essência.
Não pense que é pouca mudança não. Sabe aquela roupa que você adora, aquele perfume preferido, aquela comidinha da mamãe, aquele carro que você tem o maior ciúme, a desorganização do teu quarto que só tu entendes, sabe os títulos acadêmicos, o dinheiro, a fama e todos esses penduricalhos que vamos amontoando, ficam tudo para trás. Como diz o ditado popular, caixão não tem porta malas. Como falei, você desperta apenas com as riquezas que construiu em seu espírito. Isso pode significar que você se fez um miserável ou um ricaço. Ah, no mundo espiritual não dá para esconder quem somos. Não adianta fingir, simular, falsear. O espírito tem densidade, forma, peso, cheiro, luminosidade, entre outras características, que distinguem bem quem é quem, conforme o grau de evolução alcançado. Portanto, a morte pode ser, neste aspecto, motivo de alívio ou de vergonha. É também essa condição do espírito que vai tornar a morte um evento impar e particular, notadamente pessoal, já que somos diferentes, cada qual com sua história.
Para quem soube dar utilidade aos anos concedidos pelo Papai do Céu, pode ficar tranqüilo. A morte é uma beleza. Primeiro você se livra dessa matéria densa, pesada, perecível. Ganha a verdadeira liberdade. Segundo, você vai ter disponível todo seu potencial, o que não acontece quando estamos submetidos ao jugo da matéria, que limita e corrompe. Terceiro, você poderá reencontrar amigos e familiares e velar pelos que ficaram, dependendo, é claro, de seus méritos e evolução. Isso mesmo, fique logo sabendo que no lado de lá não tem esse mal hábito de conseguir as coisas pelo sobrenome, porque se é belo, porque é doutor ou por ser amigo de alguém. Por favor, não chegue lá esbravejando: sabes com quem estais falando? Eles sabem! Pode ter certeza. Enfim, o que vale é o mérito. E muito do que você acha meritório aqui, vale muito pouco por lá. Então não adianta pensar que você vai morrer e chegar lá e dizer que é amigo íntimo de Jesus ou que foi um cara excelente, a própria caridade personificada. O seu espírito revelará quem você é e o que fez de sua vida. Quarto, o mundo material é apenas uma cópia imperfeita da verdadeira vida. Tudo lá é muito mais belo e mais intenso. Ou melhor, quase tudo, conforme explicarei a seguir.
Para quem não está aproveitando bem o tempo na Terra, as notícias não são tão boas. Repito, cada caso é um caso. Mas de um modo geral, existem comportamentos que geram alguns problemas na ocasião da morte. Criminosos, suicidas, viciados, materialistas, revoltados, orgulhosos, egoístas têm sim algumas dificuldades. Opa, mas quase todo mundo tem um pouquinho de apego, egoísmo e de orgulho, para ficar apenas nesses exemplos. Por isso, cada caso é um caso. Você pode ser um orgulhoso extremamente caridoso, bondoso, amável, mas ainda assim é orgulhoso. Isso é um problema, mas para isso existe a lei de compensação. As demais virtudes compensarão seu orgulho e o final das somas e subtrações você só vai saber quando morrer. Quer um conselho, comece a ser mais humilde. Agora se você é um orgulhoso, um egoísta, que não está aí para ninguém, que não se importa em prejudicar as pessoas, que tem uma vida criminosa ou exclusivamente fútil, que adora dizer que é o tal, proclama-se o dono da verdade, não perde uma chance de humilhar e se Deus para você é só um símbolo de atraso e ignorância, prepare-se. Vá logo fazendo um curso intensivo de arrependimento. Pois ele será muito útil. As mensagens que vêm da zona de expurgo não serviriam para material de nenhuma palestra motivacional. Mas não se desespere, ao contrário do que dizem algumas religiões, não existem penas eternas. Deus sempre dá outras chances através de novas encarnações. De qualquer forma, quando se está sofrendo muito, temos a impressão de que o tempo não passa. Por isso se fala de penas eternas. Elas realmente parecem eternas.
Hoje muitas pesquisas já permitem confirmar informações que vêm do plano espiritual. De um modo geral, o fenômeno morte se desdobra assim. O desligamento do espírito em relação ao corpo é gradativo. Quanto mais evoluído mais rápido e sem sofrimentos. Quanto menos evoluído, mas demorado e doloroso. O espírito entra na fase que se chama de perturbação. É como um sonho para os evoluídos e um pesadelo para os maus. Nos momentos finais, amigos e familiares desencarnados auxiliam e muitas vezes são vistos ou pressentidos pelos moribundos. Geralmente, guias coordenam o desencarne e os primeiros esclarecimentos ao espírito, tal como faz – em grosseira comparação - um guia turístico a visitante em país estrangeiro. Abre-se um túnel que levará o espírito a uma fronteira que separa – como num abismo insondável – o mundo material da dimensão espiritual. As sensações que os espíritos sentem são muito diferenciadas, por causa da condição evolutiva de cada um. Mas se pode dizer que, em regra, os que tiveram uma vida digna acessam regiões iluminadas, sentem-se leves, saudáveis, cheios de paz, alegria e energia, deslumbrados com um mundo empolgante que se apresenta à suas vistas. Muitas vezes isso só se dá com algum tempo após o desenlace. Os que tiveram um vida mal utilizada, sentem a ligação com a matéria do corpo, sentem-se pesados, cansados, sentem-se perdidos, confusos, sentem sensações ainda ligadas a matéria, como frio, fome, dores físicas. Enfrentam lugares escuros e inóspitos, onde, não raro, passarão algum tempo, quiçá anos, muitas vezes perseguidos pelos seus piores pesadelos. Coabitam com o medo incessantemente. Enfim, o quadro não é dos mais alentadores. Importante dizer, que podemos ajudar esses espíritos com preces. E ajuda tanto! Volto a dizer, uma vez nessas zonas de expurgo, podem ser amparados por equipes de socorro espiritual. Para isso, necessário o ajuste consciencial, que se inicia com o arrependimento. Lembra do curso intensivo?
No plano espiritual, os espíritos se reúnem em comunidades e cidades espirituais, de acordo com a afinidade e grau evolutivo. Muitas são as moradas da casa do pai, como disse Jesus. Assim como existem colônias de espíritos evoluídos, existem as zonas de expurgos, onde os espíritos pouco evoluídos se aglomeram. Ambos espaços espirituais mantém interelações com aqueles que ainda estão na matéria. No caso, nós os “vivos”. A lei da sintonia definirá se sua mente alcançará colônias desenvolvidas ou zonas de expurgo. Pensamentos bons sintonizarão bons espíritos e o inverso é também verdadeiro.
Por fim – sei que você estava ansioso – podemos receber, excepcionalmente, o benefício do adiamento do dia de nosso retorno à pátria espiritual. Todos nós quando encarnamos, já temos um tempo certo de duração de nossa existência. Ocorre que por nosso comportamento podemos antecipar a morte ou adiá-la. Vícios e excessos de um modo geral a antecipam. É o que se chama de suicídio indireto. E as missões assumidas e aditadas pelo amor, sacrifício e dedicação desinteressada podem indicar à Providência Divina a necessidade de uma prorrogação de nossa passagem pela Terra. Podemos, face o bom uso de nossa existência, receber uma concessão de prazo para semearmos um pouco mais. Resumindo: não se ganha prorrogação para o lazer, mas para trabalhar e não para nós mesmos, mas em benefício da humanidade. Você deve estar pensando: tô lascado. Força amigo!
Mais uma vez, importa dizer que cada caso é um caso. Não é o simples fato de se fazer o bem e de ser um cidadão impecável que isso se reverterá em acréscimo de anos. As bênçãos podem vir dessa forma ou de outras tantas, disponíveis à bondade divina. Fosse o contrário, os bons não morreriam, o que é inconcebível, porque a morte é um fenômeno imprescindível para renovação da sociedade. Uns vão para que outros assumam os posto de trabalho na obra do Pai.
Portanto, meu caro amigo e amiga, você quer saber realmente o que lhe espera na hora da morte, pare e veja o que você está fazendo em vida.
Força sempre!

segunda-feira, junho 05, 2006

Cultivar a alma



Ninguém nasce completo. O Criador permitiu e permite que cada criatura faça sua jornada, atravesse o caminho de sua evolução através das escolhas que fez e faz por seu livre-arbítrio.
Nada no universo nasce pronto. Tudo evolui, em cada partícula está contido o impulso poderoso da lei do progresso que nos arrasta para o aperfeiçoamento contínuo através de sucessivas e lentas mudanças, muitas das quais sequer percebemos. Nada está parado, ninguém está condenado a ser o que é para sempre. Em todo lugar, em cada criatura está o sopro do Criador. Tudo caminha, renova-se, transforma-se, inevitavelmente, pois esta é a lei.
Algumas pessoas caminham mais rapidamente, outras rastejam entre hesitações e quedas. Por isso em uns as mudanças são mais perceptíveis, noutros tudo parece imutável, estagnado, chegando mesmo a dar vestígios de regressão, de piorarem. Muitas pessoas costumam dizer que não querem ou não precisam mudar: “eu sou assim e pronto...”, proclamam como se pudessem fugir da ordem que rege o universo. Às vezes vemos espíritos endurecidos, que praticam sucessivos crimes e não demonstram arrependimento, dão, ao contrário, sinais degeneração total. Mesmo nestes a centelha divina dorme latente.
As vozes do espaço dizem que desconhecemos a força da dor, do sofrimento. Não há coração endurecido que não se renda a essa potência e se dobre, cedo ou tarde, para se deixar penetrar pela linfa do amor. Chegará momento que seus desmandos lhe submeterão a dores tão atrozes que buscarão Deus, escoadouro único das almas. Quanto tempo dura essa resistência? Quando isso irá acontecer? Não sabemos, só o Criador conhece a fundo suas criaturas. Talvez nessa encarnação, talvez em outra. Apenas é certo que a lei do progresso romperá qualquer resistência e se imporá. Ao espírito endurecido e criminoso, caberá recomeçar sua caminhada e responder por seus equívocos. Não se trata de castigo, de punição, mas de reeducação pelos processos de depuração espiritual. É a vivência do mal que fez que o ensinará usar com acerto o seu livre-arbítrio e a buscar seus próprios méritos.
Por isso os espíritos do Senhor vêm nos esclarecer: estagnar sim, regredir não. As virtudes são as forças do espírito. Ninguém perde as virtudes que já adquiriu. O que há, muitas vezes, é a aparência de que já se tem uma virtude, quando na verdade dela ainda não se apossou o espírito. Não se deve confundir os primeiros exercícios de uma virtude, com o domínio pleno dela. É natural tentar e errar, até acertar permanentemente. Os ensaios são válidos, assim como são as provas que tem de enfrentar para dela apropriar-se definitivamente. Portanto, ninguém perde os valores que já conseguiu realmente, mas pode estacionar no vai e vem das lutas para adquiri-lo, até dedicar-se com ardor a vencer a si mesmo e domar suas más inclinações, tomando para si as virtudes que almeja.
Por tudo quanto dito, fica fácil compreender que nosso espírito é cultivável. Ou seja, podemos e devemos cuidar dele tal como o agricultor cuida da semente que se tornará colheita. O espírito humano é um grande campo. Sua terra é naturalmente fértil para se plantar. Mas é preciso escolher as sementes com cuidado e então semeá-las com amor. Mas não basta conhecer uma virtude, tal como não basta que o agricultor manuseie uma semente. É preciso preparar o espírito. Mais que isso, devemos cultivar o bem que queremos colher como virtudes e arrancar fora as ervas daninhas que nos atrasam a evolução.
O cultivo pode se dar de várias formas. Boas leituras são imprescindíveis, tal como são as valorosas amizades e o desenvolvimento da autocrítica, a sublimação dos sentimentos e o fortalecimento da mente. Mas a sabedoria do Criador não permite que nenhum espírito cresça egoisticamente, amealhando para si o que supõe virtudes, sem delas ter de compartilhar com seu próximo. Portanto, a verdadeira virtude está no dividir. Não se trata do dividir matemático que diminui. Mas na partilha que beneficia o próximo. Ninguém é realmente virtuoso se não beneficia seu próximo e a humanidade com os dons que tem.
Portanto, cada pessoa deve cuidar de seu espírito como seu mais precioso patrimônio. Advertiu Jesus para não amealharmos tesouros que as traças e a ferrugem consomem e os ladrões desenterram e roubam. Indicou-nos outro caminho. Com sutileza orientou-nos a juntar os tesouros que podemos levar conosco para os Céus – plano espiritual – e estes, por lógico, só podem ser os tesouros do espírito, que ninguém pode roubar-nos, nem a ferrugem pode desgastar.
Hora chegará que colheremos os frutos que semeamos. Esta é a melhor garantia contra a dor: semear bondade, cultivar virtudes e colher bênçãos.

Perdas e ganhos

Perdas e ganhos.

“O que perturba os homens não são as coisas em si, mas as idéias que os homens têm a respeito delas”.
(Epicteto)


Não gostamos de perder e muito menos de sofrer. Queremos que tudo dê certo em nossa vida. Mas este dar certo não é necessariamente o melhor. Na verdade apenas queremos que as coisas aconteçam como desejamos.
Quando algo dá errado não gostamos. Isso pode acontecer numa escala ou intensidade maiores. São os chamados momentos difíceis, nos quais tudo parece dar errado, onde nossos desejos não podem ser atendidos.
Às vezes a crise toma dimensões críticas. Já não se trata, então, de simples não atendimento de desejos. Trata-se de grandes perdas, de seguidas confusões, de agravamento de problemas, de amargas decepções, por exemplo.
Nessas horas incertas, onde os minutos rastejam, é comum perguntarmo-nos o por quê? Qual a finalidade de tudo o que está acontecendo? Será que mereço? O que foi que fiz? Qual a lição a aprender?
Recorrentemente se faz tão-só um balanço negativo dos fatos, deles apenas extraindo as perdas, os prejuízos, os estragos presentes e alguns no futuro. Olhamos em volta e apenas enxergamos o que se deixou de fazer, de conseguir, de ganhar. O homem, nestas condições, prende sua percepção na dor, no desespero. Foca o problema e, por isso, perde a capacidade de visualizar o todo.
Em verdade nunca perdemos. O que existe é a incapacidade de percebermos onde estamos ganhando. Quase sempre o “lado bom” do “fato ruim” é imperceptível no calor das emoções. Tal como a escuridão das trevas impede a vista a olho nu, assim também as emoções, as paixões e interesses materiais obstaculizam-nos de perceber os benefícios que estão sendo semeados entre as lágrimas. Na vida material, o ganhar pressupõe o imediato. O importante é o agora. Sob a perspectiva espiritual, contudo, o ganhar está diretamente relacionado com o evoluir, que não se apressa. O processo obedece ao tempo de cada coisa. Vale o clichê: a natureza não dá saltos.
Ou seja, para o homem materialista e imediatista tudo que o impeça de curtir a vida, de ter “paz” e de levar vantagens o mais rápido possível é considerado um problema, uma perda. Sob a perspectiva espiritual, perder e ganhar nem sempre equivalem ao que desejamos. Perder é não evoluir.
Portanto, em tudo há sabedoria divina. É certo que nada acontece sem permissão divina. Mas Deus não impõe desgraças, estas são apenas efeitos de causas que deflagramos.
Fatos são acontecimentos naturais, porque seguem leis divinas que valem para todos. Em verdade, desgraça é a valoração pessoal que damos a um fato. Por isso, o mesmo fato para uns é considerado sorte, para outros azar. Tudo depende da visão que temos do mundo. É nossa atitude pessoal que determina nossa reação ou ação diante dos acontecimentos.
É muito comum, anos depois, reavaliarmos fatos que nos trouxeram contrariedade, como muito importantes para nosso amadurecimento pessoal. O fato não mudou, o que se modificou foi a percepção sobre o mesmo.
Como dito alhures, nunca perdemos. Pequenos problemas soltos parecem não ter razão, lógica. Somados e contextualizados eles montam um quadro de experiências que exigem do espírito o exercício das virtudes.
Que seria do ser humano sem os desafios do que chamamos de problemas? Não saberíamos pensar, construir, planejar, agir. Não desenvolveríamos a paciência, a solidariedade, a força de vontade, não almejaríamos o melhor e o progresso da humanidade estaria comprometido.
O mundo é a grande escola de nossas almas. É aqui que testamos realmente o significado prático das virtudes e isso só se firma nos refolhos do espírito através do calor das lutas, das injunções, sob o peso das responsabilidades e diante dos desafios mais indesejáveis. Como dito, não perdemos. Sempre o espírito ganha em experiência e sabedoria. Como disse Fernando Pessoa: "tudo vale a pena, quando a alma não é pequena."