quarta-feira, agosto 13, 2014

OLHOS CHEIOS DE VIDA





Hoje, quando Eduardo Campos acordou, provavelmente sentiu falta de sua esposa que estivera consigo até a noite anterior no Rio de Janeiro. Deve ter sentido falta de seu bom dia e do cheiro de bebê de seu último filho, Miguel, de 7 meses, que tinha enriquecido sua vida. Quem sabe tenha ligado pra mãe para dizer que adorou o presente do dia dos pais e confessado que ficou muito emocionado com a linda homenagem que seus filhos lhe fizeram no último domingo (vídeo abaixo).
Talvez tenha ligado para Recife querendo saber se sua esposa havia chegado bem da viagem. Só depois, mais tranquilo, tenha tomado um bom café da manhã (quiçá resistindo ao pudim que desejara para preservar sua saúde). Depois deve ter avaliado a repercussão na mídia de sua entrevista, confirmado a opressiva agenda de compromissos e desejado bom voo ao comandante.
Um dia normal, ordinário (se é que existem dias ordinários).
Contudo, há coisas que simplesmente não estão na agenda, fogem de nosso controle. A morte é assim. Raramente dá aviso prévio, jamais pede licença e sempre chega, cedo ou tarde, na áspera tristeza da solidão ou na euforia caliente da paixão, no hospital ou na festa de bodas, às 11:13 de uma manhã ensolarada ou às 23:59 de uma noite soturna, no anonimato ou sob holofotes das celebridades.
Quando chega o dia, não importa quem estava lhe esperando, nem quantas pessoas dependem de você, quantos e-mails você não respondeu, quantas mensagens do WhatsApp não leu, se não pagou a conta de luz, se esqueceu de avisar sobre os documentos, sobre os remédios ou sobre a herança ou se não deu tempo de acabar o clareamento dental, de se despedir, pedir perdão ou dizer eu te amo.
Simplesmente acontece, como um improvável raio no meio de uma tímida chuva, como uma brisa fria e suave em um dia calorento ou como uma surpreendente flor que nasce no asfalto.
Não obstante isso, temos dificuldades de lidar com o assunto, com nossa própria finitude corporal. 
Somos seres imortais, dotados de um Espírito eterno, mas solenemente ignoramos isso.
Ficamos chocados com a morte porque não levamos a sério a espiritualidade. 
Por isso é comum ouvirmos de pessoas que passaram por situações extremas, de claro risco de vida, que no pior momento pensaram: não acredito que isto está acontecendo comigo!
É como se a morte fosse encarada como uma esquisitice fantasiosa que não cabe em nossa realidade. 
Mas a morte é um fenômeno natural, uma travessia. Gostemos ou não todos temos encontro marcado com a dita cuja.
A morte de uma figura pública, carismática, transbordando de sonhos e com belos olhos cheios de vida, causa comoção e reações não só diversas, mas também extremas.
Há quem chore como se fosse por um amigo, há quem desista de viajar de avião, há quem queira ver os corpos, a cobertura do velório, o depoimento de amigos, há quem queira turbinar audiência, fazer piadas, elucubrar divagações filosóficas ou simplesmente entregar-se ao medo e a paralisia do choque.
Diante de uma comoção, todos ficamos conectados, irmanados na essência de nossa humanidade, ligados por um fio tênue que nos iguala como portadores de uma vida valiosa que as vezes desperdiçamos com pesos inúteis, com sentimentos mesquinhos e sem qualquer bússola ética e alicerce espiritual. 
Na entrevista de ontem no Jornal Nacional Eduardo Campos estava falando como candidato ao cargo máximo do país. Pronunciou-se de acordo com a ocasião e contexto.
Fiquei pensando se ontem, no minuto derradeiro da entrevista, ele soubesse de seu destino hoje, se tivesse de mandar uma mensagem final sobre sua vida, o que ele teria dito?
E se fôssemos nós, que mensagem mandaríamos?
Será que falaríamos de coisas materiais, de poder, de futilidades ou falaríamos das coisas que realmente importam na vida? Será que usaríamos o tempo final para atacarmos inimigos, reclamarmos da sorte ou nos dirigiríamos com ardor a quem mais amamos? 
Essa é uma pergunta que cabe a todos nós, pois ninguém sabe quando virá a última oportunidade.
Perdemos tempo demais com o que menos interessa e quando menos se espera o tempo acaba.
Afinal, mesmo corações cheios de sonhos param de bater, mesmo olhos cheios de vida um dia se fecham, pois raios, brisas e flores improváveis também fazem parte do jardim da vida.
Que sabíamos regar nosso jardim.
Que Deus abençoe Eduardo Campos e sua família.