domingo, novembro 09, 2014

A OMISSÃO DOS ESPÍRITAS - PARTE II


PARTE II
(Continuação)

Tenho consciência que as pessoas buscam o Espiritismo para os assuntos do Espírito.
Obviamente, sei que o objetivo do Espiritismo é a reforma moral.
E assim deve ser.
A questão é que não estou propondo nada que colida com esta visão e objetivo.
A proposta aqui defendida é sazonal, limitada a curtos períodos eleitorais e sem prejuízo das atividades ordinárias das instituições espíritas.
São, portanto, atividades e atuações que não são excludentes.
O que se deve ter presente é a gravidade deste momento de crise.
A omissão do movimento espírita revela-se grave na medida em que não se posiciona publicamente – e no momento político mais adequado, que é a eleição -sobre temas da maior importância para todo planeta. Vou citar apenas alguns dados que comprovam minha afirmação.
O que o movimento espírita tem a dizer sobre a crise ambiental? É a favor de quais medidas? O que suas instituições têm feito? Ou entende que não há crise ambiental?
Em outubro o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC divulgou novos dados sobre a crise ambiental.  O relatório toma por base milhares de pesquisas científicas. Contou com 309 autores, 436 colaboradores e 66 revisores de 70 países.
Dentre as previsões do IPCC destacam-se:
- As mudanças climáticas atingem mais profundamente pessoas em vulnerabilidade social ou geográfica. Isso agravará a crise humanitária de refugiados ambientais;
- A biodiversidade está sendo afetada. Espécies terrestres e marinhas estão alterando suas atividades sazonais, abrangência, padrões de migração e interação;
- São cada vez mais recorrentes e intensos os chamados eventos climáticos extremos, como secas e enchentes e cada vez mais fazem mais vítimas e afetam também os preços e a disponibilidade dos alimentos;
- Se as emissões de gases do efeito estufa continuarem subindo – como estão apesar das promessas -, até o fim do século XXI, o número de pessoas expostas a grandes enchentes será três vezes maior;
- Para cada aumento de um grau da temperatura média global no planeta, ocorrerá uma queda de 20% na disponibilidade de recursos hídricos para 7% da população mundial;
- Maiores riscos de mortes resultantes de ondas de calor;
- O nível dos oceanos está subindo devido ao maior calor absorvido e ao derretimento de geleiras e dos polos e muitas áreas habitadas serão gravemente afetadas.
- Os oceanos estão sofrendo um processo crescente de acidificação relacionado ao aumento da concentração de CO2;
- Maior exposição a doenças transmitidas pela água e por alimentos;
- O aquecimento global colocará em risco a produtividade pesqueira e os serviços ecossistêmicos dos oceanos;

Como se vê a crise ambiental exige um esforço de todos. O que se vê é que vários setores da sociedade estão se mobilizando para ajudar a reverter os estragos da crise ambiental. O que os espíritas têm a ofertar? Essa é uma pergunta que precisa ser respondida pelo movimento espírita. Só assim, este poderá posicionar-se.
Vejamos outro problema que merece posicionamento do movimento espírita. Refere-se aos Direitos Humanos, mais precisamente à luta contra o tráfico humano e o trabalho análogo à escravidão.
Um diagnóstico preliminar sobre o tráfico de pessoas no Brasil foi elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça (SNJ/MJ), em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
O estudo revela a existência de 475 vítimas entre os anos de 2005 e 2011. Desse total, 337 sofreram exploração sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo.
As mulheres são o principal alvo deste abominável crime, pois garantem melhor retorno financeiro para os traficantes através da exploração da prostituição, atividade responsável por 79% das vítimas do tráfico humano. O trabalho forçado, exercido por homens, mulheres e crianças, representa 18% do total.
Não custa lembrar que todos os meses no Brasil pessoas são libertadas de trabalhos degradantes, em condições análogas à escravidão.
Estamos falando de uma atividade rentável, que envolve uma rede internacional de criminosos, que movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por ano, privando a vida de mais de 2,5 milhões de pessoas.
Aliás, não custa lembrar que Bezerra de Menezes – um dos maiores ícones do Espiritismo - teve uma sólida e bela trajetória política, com ampla atividade pública, com atuações a favor da proteção do meio ambiente, dos socialmente vulneráveis e notabilizando-se por sua luta contra a escravidão.
Por acaso, Bezerra estava errado em envolver-se com temas políticos?
É claro que não.
Gostemos ou não, é no palco político, no espaço público, que muitos temas relevantes à sociedade e à humanidade são debatidos. Ser omisso em nada ajuda.
Como ficar indiferente ao fenômeno de avanço da pedofilia, que é tema central de cerca de mil novos sites de pedofilia que são criados todos os meses no Brasil?
Estima-se que  76% dos pedófilos do mundo estão no Brasil.
Isso mesmo, na pátria coração do Evangelho.
Estudos indicam que 52%  desses sites tratam de crimes contra crianças com idades que variam de 9 a 13 anos.
E cerca de 12% deles  expõem  até crianças de zero a três meses.
O vinde a mim as criancinhas do Cristo foi substituído pelo vinde a mim dos pedófilos. E o que estamos fazendo?
Não dá pra ficar neutro, omisso.
Afinal, como anotou Dante Alighieri:
“No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise.”
O movimento espírita precisa se posicionar, unir forças e entrar na luta, pois esta é uma das que estamos perdendo.
Sua omissão abre espaço para que propostas e condutas condenáveis se alastrem. Por outro lado, tal posição deixa milhares de pessoas órfãs e desorientadas, pois gostariam de saber qual a posição do movimento espírita sobre uma miríade de temas relevantes.
Sem uma posição clara do movimento espírita vão buscar em outras fontes orientação, nem sempre adequada, o que condena milhares de pessoas a condutas e posicionamentos colidentes com o evangelho do Cristo.
Pragmaticamente, a omissão dos espíritas e, sobretudo, do movimento espírita em temas relevantes e centrais para sociedade e humanidade pode ter péssimas consequências em relação a propostas renovadoras e consistentes, como muito bem demonstrado no artigo “A Conspiração do Silêncio”, da educadora, escritora e coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, Dora Incontri[1].
Esses, entre outros, são aspectos que devemos refletir com serenidade e maturidade, fugindo das verdades prontas e dos radicalismos.
Criar espaço nas instituições espíritas para o debate sobre temas centrais e relevantes para sociedade e humanidade é imprescindível.
Algumas instituições espíritas – como é o caso do Grupo Espírita Abrigo da Esperança – GEAE[2] - já tomaram a dianteira no experimento de construir uma nova postura do movimento espírita. Dentre outras coisas, abriram o espaço da instituição para receber candidatos e debater temas sensíveis.
Tenho minhas dúvidas se é o caso de abrir a casa espírita para receber candidatos. A princípio, penso que não.
Ao receber candidatos, as instituições espíritas correm um grande risco de serem usadas como palanques e de gerar dúvidas sobre apoio a certos candidatos. É preciso ter cautela. Talvez, no exercício desta cautela, a Federação Espírita de Pernambuco publicou nota restritiva ao uso do espaço de casas espíritas para o debate político[3].
Será esse o melhor caminho?
Sobre receber candidatos, faço uma ressalva.
Penso que seria interessante a Federação Espírita Brasileira – FEB organizar na próxima eleição presidencial uma série de eventos para oitiva dos candidatos à Presidência da República, que poderiam ser interpelados sobre suas posições sobre temas sensíveis ao movimento espírita.
Que mal faria esse debate?
É preciso ouvi-los e eles precisam nos ouvir.
O mais importante é que as instituições espíritas estejam abertas para debater os temas centrais do momento político, sob a ótica espírita.
Após debatidos os temas centrais, cada espírita examinará livremente o candidato que entende representar melhor o que foi debatido.
Por isso, impõe-se por na ordem do dia esta discussão. Para evitar distorções e o mau uso do espaço e da doutrina, bem como para também evitar que cada instituição espírita faça ensaios, testes e experimentos a seu jeito, convém que a Federação Espírita Brasileira – FEB abra espaço para o debate deste tema e oriente movimento espírita, de forma que a participação na vida política do país ocorra de forma organizada, crítica, cuidadosa e uniforme.
É verdade que sempre haverá um risco residual de distorções e de mau uso das instituições espíritas. Mas viver é correr riscos. E não há maior risco que a omissão, que o silêncio diante do avanço de projetos e teorias sombrias. A história é farta em condenações de posturas omissas de religiões e líderes religiosos em relação a assuntos graves como violação de direitos humanos, genocídios, etc.
Vamos flertar com este erro histórico?
Por fim, o último ponto que trago é um esboço, incompleto e apenas exemplificativo, sobre quais temas deveríamos nos posicionar.
Proponho que nas eleições, sobretudo, nas de âmbito nacional, que elegem o Presidente da República, os Governadores, os senadores e os deputados federais, o movimento espírita divulgue uma Carta de Proposições do Movimento Espírita.
Outros setores da sociedade já fazem isso com muito sucesso, colaborando para o amadurecimento e debate político.
Paralelamente a isso, que se programem palestras sobre conduta ética recomendada aos espíritas durante as eleições.
No tocante à Carta de Proposições do Movimento Espírita, o campo temático é vasto. Para fins de início de debates, seguem alguns temas sobre os quais o movimento espírita deveria se pronunciar. Vejamos:

1. Defender como prioridade a ética na política, com ênfase no diálogo respeitoso e plural, na revitalização moral das campanhas eleitorais  e no combate à corrupção;
2. Defesa do Estado Laico, com a separação do Estado e da religião, mas com respeito a todos as crenças religiosas e àqueles que não têm uma religião;
3.  Defesa da tolerância religiosa e cultural e combate a qualquer forma de fundamentalismo, perseguição, preconceito e discriminação;
4.  Defesa e respeito aos Direitos Humanos, com ênfase na proteção e respeito das minorias, no combate a qualquer forma de preconceito e discriminação. Repúdio à tortura, às penas degradantes e à pena de morte. Repúdio à violência contra crianças, mulheres e idosos e apoio ao combate ao tráfico humano e ao trabalho degradante e análogo à escravidão;
5. Reforçar o pacto pela vida, com ênfase na posição contra a eutanásia, na ampliação de políticas públicas de prevenção ao suicídio, combate às drogas e contra o aborto, neste caso, defendendo políticas públicas preventivas e de acolhimento fraterno, assistencial e psicológico às mulheres;
6.  Defesa do meio ambiente e do interesse das futuras gerações, com ênfase no fortalecimento do mercado ético, na ampliação da matriz energética limpa e renovável, na economia sustentável e na ampliação de políticas públicas preventivas para desastres ambientais;
7. Priorização e ampla reforma da educação no país, com destaque para a formação integral do ser humano e com espaço para o ensino religioso de caráter plural e multidisciplinar;
8. Apoio às políticas de inclusão e proteção social, com ênfase no fortalecimento de mecanismos que impeçam a dependência e o uso eleitoreiro de tais benefícios;
9.  Combate à criminalidade com políticas públicas de caráter preventivo, sobretudo com criação de oportunidades e vias de inclusão social e de resocialização;
10.        Atuação geopolítica fundada no amplo diálogo, na diversidade, no respeito ao meio ambiente, aos direitos humanos e na cultura da paz.

Naturalmente, tais propostas são apenas sugestões incompletas e imperfeitas. Impõe-se melhora-las e acrescentar outras.
Não tenho a pretensão de falar pelo movimento espírita e tampouco de pautar suas posições e prioridades. Longe disso. Este artigo, como disse no início, é uma crítica saudável e com a melhor das intenções. No fundo é uma declaração de amor. E quando se ama, quer-se sempre o melhor.
Ele visa propor um amplo debate sobre um tema que ainda é um tabu, bem como estimular uma mudança de postura do movimento espírita.
E se isso acontecer, já terá valido a pena.





[2] Disponível em: http://www.geae.org.br/carta-aberta-eleicoes-2014/ Acesso em 09.11.2014.

Nenhum comentário: