sexta-feira, julho 28, 2006

Evolução através do conhecimento




Pablo Neruda, festejado poeta chileno, certa vez ensinou “escrever é fácil; você começa com maiúscula e termina com ponto. No meio você coloca idéias.” No dia 25 de julho se comemora o dia do escritor e no dia 26 de julho o dia da imprensa espírita. São datas que merecem comemoração, pois no decorrer da história da humanidade, as idéias foram motivo de aplausos e de avanços, mas também mote de perseguição e causa de atraso. Milhares de pessoas e suas obras sofreram pelo pensamento que produziram. Ao custo da liberdade e da paz, deixaram valioso legado que iluminou a marcha evolutiva da humanidade.
Durante cerca de sete séculos, entre 280 a.C e 416 d.C, a famosa Biblioteca de Alexandria congregou o que havia de mais belo e valioso no pensamento cultural e científico da antiguidade. Era uma luz nas trevas da ignorância. A cidade passou a ser um centro efervescente de produção intelectual e, por isso, provocou a fúria dos reacionários da época, culminando com seu fim e a destruição de muito conhecimento acumulado. Até hoje não se pode contabilizar as perdas para o enriquecimento cultural e para o conhecimento científico. Muitas obras raras e únicas se perderam e um vácuo até hoje permanece a nos instigar, não obstante a inauguração da nova Biblioteca de Alexandria em outubro de 2002.
A história da produção cultural e do conhecimento humano é marcada por episódios tristes e burlescos. Para que hoje você goze do direito de ler o que quiser, sem censura, e o direito de livre expressão e de consciência, grafados no art. 5º, inciso IV e VI c/c art. 220 e 206, inciso II, da Constituição Federal do Brasil, foi uma longa caminhada, num palco de vítimas, heróis e carrascos. O escritor britânico Salman Rushdie teve sua vida mudada por causa de um livro. Não porque lera uma obra prima, mas porque escreveu “Versos Satânicos”, que enfureceu o governo do Irã. Em represália, o Irã passou a oferecer prêmio pela sua morte. Escapou, após pressão da comunidade internacional contra o país de maioria islâmica, mas sofreu cerca de 10 anos na clandestinidade, entre esconderijos e forte esquema de segurança. Outro que escapou da morte por causa de livro foi Galileu Galilei. Ele por muito pouco não queimou por ter publicado seu trabalho mais famoso “Diálogo sobre os dois maiores sistemas do universo”, onde basicamente defendia as evidências da teoria heliocêntrica de Copérnico. O livro agitou a Santa Inquisição e Galileu foi julgado, em Roma, e condenado à prisão domiciliar e a uma retratação pública para livrar-se da fogueira. Giordano Bruno não teve a mesma sorte e ardeu por causa de seus pensamentos censurados pelo Clero. Naquela época existia o INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM, criado pela Igreja Católica por decisão do Concílio de Trento (1562/1563) -, que passou a ser uma lista de livros proibidos à leitura dos católicos. Dentre suas vítimas constou, inclusive, o Padre jesuíta Teilhard de Chardin que teve suas obras – hoje festejadas - proibidas de publicação, o que só veio a acontecer post-mortem, não sem lutas. Hoje, não mais existe o INDEX, mas recentemente a Igreja Católica voltou a apresentar restrições quanto a um livro, in casu : O Código da Vinci.
O fogo – tido desde a antiguidade como elemento purificador – muitas vezes foi usado para reprimir os pensadores que incomodavam quem não concordava e/ou detinha o poder. Em 1232, a Inquisição queimou centenas de exemplares da obra “Guia dos perplexos”, do genial médico, filósofo e rabino medieval Maimônides (Conhecido também como Rambam), o que viria a se repetir contra as obras do líder espiritual rabino Baal Shem Tov, desta vez vitimados por represália de outra facção judaica. Na mesma toada, podemos nos reportar ao dia 10 de maio de 1933, quando milhares de livros foram queimados em várias cidades alemães, no auge da perseguição aos intelectuais pelo regime nazista, naquilo que chamaram de “limpeza da literatura”. Calha a fiveleta a fala do poeta Heinrich Heine: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas.”
O Espiritismo também foi vítima de similar perseguição e fúria. Em 9 de outubro de 1861, cerca de 300 livros espíritas foram apreendidos e queimados em praça pública por ordem do Bispo, que era a autoridade eclesiástica do local e funcionava como polícia das livrarias. O episódio entrou para história como Auto-de-fé de Barcelona. Queimavam-se os livros como se pudessem tornar cinza o pensamento. Sartre, um dos mais renomados filósofos franceses, certa vez aduziu: “Viver é produzir significados, quando morrer viverei em meus livros.” Ou seja, a perseguição e o fogo não fez recuar o avanço do pensamento humano.
Uma das coisas que mais me chamou atenção na primeira vez que entrei em um Centro Espírita foi a quantidade enorme de pessoas lendo, estudando. O que mais me entusiasmava e maravilhava era ver a concentração de pessoas simples, senhores, senhoras, adultos e jovens que liam seus livros compenetrados, com um semblante sereno e o espírito absorto em divagações. Com o tempo pude constatar que essa é uma marca da doutrina espírita, o constante estímulo ao estudo. O exemplo vem de casa. Os mais renomados espíritas de todos os tempos também se devotaram ao estudo. Alan Kardec, Léon Denis, Bezerra de Menezes, Deolindo Amorin, Hernani Guimarães Andrade, Hermínio Miranda, entre tantos outros, sem citar exaustivamente a linhagem de cientistas de escol e ímpares intelectuais que enriqueceram nossas pesquisas e estudos, como Crookes, Flamarion, Vitor Hugo e Conan Dole.
Mas ninguém se engane, o movimento espírita não é elitista, tem espaço para todos. Não raro as palestras nos Centros Espíritas têm linguagem e didática bem acessível. Muitos espíritas festejados não tiveram senão a educação básica, como Chico Xavier. A doutrina apenas incentiva e, a bem da verdade, favorece muito quem gosta de ler, pesquisar e estudar. A literatura espírita tem livros deliciosos, autores cultos, pesquisas sérias. Contudo só isso não explica porque o livro espírita é fenômeno editorial. Para compreender é preciso atestar que a leitura, o estudo dos livros espíritas ajuda muito as pessoas a se melhorar, a viver vidas que não viviam. É interessante notar que muitas tradições defendem a idéia de que as palavras têm vida independente, própria, tal como os demais seres vivos e, por isso, produzem efeitos incríveis e até inesperados no mundo. Neste sentido, convém citar Brecht: “Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.”
Gandhi – carinhosamente chamado pelo poeta indiano Tagore de Mahatma (Grande Alma) – em sua autobiografia comenta que o livro “Até o Último”, de John Ruskin foi determinante na formação de seu ideário e declara “Foi-me impossível larga-lo, depois que o abri. Arrebatou-me. (...) Resolvi mudar de vida, conformando a minha nova existência às idéias expressas nessa obra”. Confesso, feliz, que tive uma experiência muito parecida quando li o livro “Depois da Morte”, a obra-prima de Léon Denis que foi um divisor de água em minha existência.
A partir da criação da imprensa por Gutemberg houve uma verdadeira revolução no mundo. A informação se massificou e hoje dobra a cada quatro anos, turbinada pela alta tecnologia que a disponibiliza desde o celular até os rincões mais insólitos do planeta. Nesse contexto a produção de conhecimento é incessante. Pululam teorias e livros para todos os gostos e de variada qualidade, sendo certo advertir, no entanto, que muitos incautos se deixam seduzir por oratórias bem montadas e textos bem escritos que escondem - por trás do jogo de palavras e argumentos -, pensamentos equivocados e já ultrapassados que ressurgem, requentados noutra roupagem, de tempos em tempos como modismos efêmeros que, não obstante isso, fazem expressivos estragos e desviam tantos da porta estreita. Aqui cabe um aparte para usar uma citação utilizada pelos discípulos de Sêneca, em suas Epistulae morales: “não importa quantos livros você tem, mas quão bons eles são.” Some-se ao adágio a recomendação bíblica prevista em I Tessalonicenses 5:21: “Examinai tudo, retende o bem”.
O Espiritismo surge como um farol a orientar, entre as densas nuvens do materialismo, as mentes e corações que singram o turbulento mar de incertezas em busca de paz e com sede de verdade. Nasceu em um século de efervescência cultural, marcado por pensadores de escol e pelo fortalecimento da ciência. No Brasil o aspecto religioso sobrepôs-se aos demais e, por isso, há mais livros que abordam a temática religiosa, do que a filosófica e científica. Nem por isso se deixou de produzir livros fantásticos especialmente sobre o aspecto científico do Espiritismo, que o digam as catedráticas obras de Hernani Guimarães Andrade e a impecável obra “Perispírito”, assinada por Zalmino Zimmermann, só para ficar em dois exemplos. Na mesma toada, vemos que pesquisadores transitaram pelo meio espírita, colheram densos subsídios, e preferiram independência, talvez para evitar preconceitos da comunidade científica, valendo citar neste sentido a pesquisadora Sônia Rinaldi, cujo trabalho incansável nas pesquisas de Transcomunicação Instrumental é louvável.
Hoje, estudar o Espiritismo exige além das obras básicas e das complementares de coleções como as de André Luiz e Emmanuel, um alargamento dos estudos para colher resultados de pesquisadores que, não sendo espíritas, confirmam em suas pesquisas algumas de nossas crenças e princípios, como Brian Weiss, Ian Stevenson, Raymond A. Moody Jr, Stanislav Grof e Fritjof Capra. São clássicos que no dizer de Borges “não é um livro que possua necessariamente esses ou aqueles méritos; é um livro que as gerações dos homens, impelidas por diversas razões, lêem com prévio fervor e misteriosa lealdade.”
Alan Kardec ensina que fé inabalável é aquela que encara a razão frente a frente em qualquer época da humanidade e vaticina na introdução ao Livro dos Espíritos “Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado.”
O ser humano, desde que atingiu tal condição no processo evolutivo, sempre foi atraído pelo conhecimento. Mesmo ao misterioso, buscou explicações e para vida algum sentido. Atravessou as eras somando conhecimentos e desenvolvendo técnicas e tecnologias. A revelação espírita vem não apenas confirmar esta tendência inata, mas esclarecer que o desenvolvimento da razão e a purificação do amor são as asas que sustentam os elevados vôos do espírito em sua ascensão rumo à perfeição. É importante atentar para o fato de que a criação não é um ato, mas um processo incessante. Deus em sua sabedoria nos proporcionou a oportunidade de crescer em razão e amor para sermos co-criadores da grande obra universal. É na escola do dia-a-dia que aprendemos a depurar os sentimentos e a sublimar a razão, não para enfeite de luxo, mas para uso útil em favor da evolução de tudo que nos rodeia. É da fusão do santo com o sábio, após longos esforços de aperfeiçoamento, que surgem os Espíritos Superiores. É da combinação do sentir e do pensar que nascem as maravilhas da humanidade. É com esta percepção que o Espiritismo nos exorta não apenas a amar, mas a desenvolver a razão, o que melhor se consegue através da leitura de grandes livros, do estudo de grandes homens. É no silêncio do recolhimento concentrado da boa leitura que se forjam os pensamentos do bem, do belo e do novo, é no berço das idéias e descobertas alheias que germinam nossas próprias percepções e crenças, nossos valores, nossa visão de mundo e novas idéias que também influenciarão outras pessoas e somarão força na revolução espiritual que, paulatinamente, vem quebrando os paradigmas newton – cartesianos que ainda embalam as ilusões materialistas.
Não é demais reprisar o que já fora dito pela espiritualidade: na raiz dos equívocos e crimes da humanidade há mais ignorância do que maldade. O filósofo e jesuíta Baltasar Gracián, em sua célebre obra “A arte da prudência” pontuou com tirocínio: “Um homem sem conhecimento é um mundo às escuras.” Noutro quadrante, poderíamos afirmar que as trevas se nutrem da ignorância que ainda turva a mente e o coração das massas. Soa, por isso, tão eloqüente a recomendação do apóstolo dos gentios, Paulo em Romanos 12:2: “E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente (...).”
Por tudo isso, ainda é muito atual a lição do mestre Léon Denis em sua obra “O problema do ser, do destino e da dor”: “É necessário escolhermos com cuidado nossas leituras, depois amadurecê-las e assimilar-lhes a quintessência. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que se leu. É um meio seguro de fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos da sabedoria e beleza que podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, e o mal o sofrimento.”
Stéphane Mallarmé assinalou com percuciência: “tudo no mundo existe para, algum dia, terminar num livro.” Posto assim, o espírita deve ter nos livros um amigo dileto, um instrumento para alavancar sua evolução e evitar, através das experiências alheias e reflexões maduras, quedas perigosas e desvios desnecessários, pois a vida é uma escola que exige, cedo ou tarde, o aprendizado imprescindível ao progresso, sob pena de se permitir que a dor ensine o que não se quis aprender pelo amor e pelo conhecimento.
Não esqueçamos, todavia, que tal como Sócrates, o maior dos filósofos, Jesus – o espírito mais evoluído que já encarnou na Terra – não escreveu qualquer livro, ensinou pela autoridade de seu testemunho, pela elevação de sua moral. Portanto, na dúvida entre a orientação letrada e a postura angelical de Jesus, siga o Cristo. Ademais, pouco adianta uma inteligência sublimar e uma cultura exuberante como meros adornos pernósticos de ostentação, se agirmos como infantes quando não como animais irracionais, já tendo conhecimento para fazer uma grande diferença.



Obs: Este artigo foi publicado na Revista Espiritismo & Ciência, de circulação nacional, em agosto de 2005.


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